Publicação compartilhada do site F5 SERGIPE, de 26 de abril de 2023
Estância e o espetáculo da Esperança
Por Redação F5
Era a década de 1960, Estância por longos anos já carregava os principais títulos que em sua história havia se consumado: o de Berço da Cultura Sergipana e o de Cidade Jardim. Títulos que sempre eram e são utilizados para chamar à responsabilidade os gestores que, aos olhos do povo, decepcionam em sua atuação frente a cidade no que tange à cultura, à beleza, à inovação, à sua transformação positiva. Algo como uma advertência ao administrador que tende a lembrá-lo da grandeza de Estância na história sergipana e de que isso precisa ser mantido. É por conta ainda de sua história de destaque que a cidade é cobrada pela falta da sua casa teatral, pela falta de seu museu, pela falta de um monumento à imprensa, pela falta de cuidado com seus rios, pela falta...
Porém, a Estância dos anos 60 era gravitada por outras necessidades, outras lutas. Falando nas lutas da estancianidade daquele tempo, algumas passariam a se destacar. Uma delas era a incessante busca pela encanação da água. Um sonho antigo. Mas também lutavam pela estrada do Abaís, e até mesmo por uma torre de TV. Daí, foi feita uma pesquisa de opinião pública na cidade para saber a preferência do povo, se queriam a construção da estrada do Abaís ou a torre da TV. Na resposta os estancianos disseram querer ambas! No tocante ao Abaís, a população “implorava em voz alta a sua praia”. E isso só seria concretizado com a construção da sua estrada, é claro. A imprensa acusava a sua não realização “por culpa dos governantes”!
Em meio a essas necessidades a cidade também se distraía e uma dessas distrações era o futebol. Tinha no amadorismo os potentes clubes do Estanciano e do Santa Cruz, que além de se enfrentarem entre si, dentro ou fora de casa disputavam com diversos clubes sergipanos como o Vasco, o Confiança, o Sergipe, dentre outros. A casa do Estanciano era o Estádio José Pequeno, no bairro Bonfim, a do Santa Cruz, a Vila Operária, no bairro homônimo. Nos inícios daquela década esse último clube havia conquistado seu pentacampeonato. Também, pudera. O Santa Cruz tinha estrelas como ABC, Taratí, João Cego, Madureira, Valdomiro, Dos Santos... carrascos dos adversários. Na época o clube ainda acumularia o título de “primeiro campeão misto profissional de Sergipe”.
Havia também as tensões da época. Foi nesse decênio que teve início a famigerada ditadura, fruto do Golpe Militar de 1964 contra o governo João Goulart. O referido golpe os militares chamavam de “revolução”. Logo em 1965, o Ato nº 2 de 25 de outubro, decretaria o fim dos partidos políticos, quando seriam substituídos, de 1966-1979, apenas por dois: Arena (Aliança Renovadora Nacional) e MDB (Movimento Democrático Brasileiro). A ideia dos militares era o de dar ares, mesmo na ditadura, de que o País vivia sobre as égides democráticas. Mentira pura. Mesmo assim, Núbia Macedo, que se candidatava mais uma vez à deputada estadual, aproveitando-se da deixa, bradava ao dizer que: “A trincheira de luta da democracia é o MDB”!
No campo da iniciativa privada, uma frente inovadora estava prestes a se concretizar. O empresário Jorge Prado Leite (1926-2021), dono da Sulgipe, companhia de eletricidade, numa empreitada inédita, ao menos para o interior sergipano, se encontrava na iminência de lançar a Rádio Esperança, essa que seria a primeira emissora da cidade. Vale acrescentar que Jorge Leite (“Doutor Jorge”) já tinha certa experiência com emissora de rádio, tendo sido em Aracaju um dos proprietários da Rádio Jornal, fundada em 1958.
Devemos esclarecer que a busca por uma emissora de rádio é geralmente ocasionada por um pressuposto político. A concessão delas é algo inerente às classes dominantes brasileiras. Era e é preciso ter um político influente. No caso da Esperança, Jorge Leite tinha um trunfo: seu pai, o Senador Júlio César Leite (1896-1990).
A forma de como se dava, e porque não dizer como se dá, as concessões de canal de radiodifusão no Brasil bem foi frisada por Sérgio Caparelli. Em seu livro Comunicação de Massa Sem Massa, diz o autor o seguinte: “As concessões, na maioria das vezes, não extravasam o âmbito restrito dos grupos dominantes, mas circulam internamente, dando a palavra a quem já tem e prosseguindo o bloqueio de quem dela precisa”. Ainda salienta esse escritor que “a exploração do novo meio exige capital elevado, que está em mãos de poucos”.
A força dos Leite fez angariar a concessão de sua rádio, mesmo em plena ditadura! E, assim se fez. Afinal, como diria seu biógrafo Ricardo Leite, Júlio era o “Chefe Invisível”, além de ser político experiente e que já se encontrava no exercício de seu segundo mandato, sabia mexer “as peças do tabuleiro”. Com ele tudo se encaixava, e, em Sergipe, era uma das famílias mandatárias.
O sergipano Joel Silveira, então um dos maiores jornalistas do Brasil, nos anos 1950, já demonstrava a força dos Leite. Colunista do jornal carioca Diário de Notícias, em janeiro de 1950, ao escrever Oligarquia - artigo que teria repercussão em Sergipe - fez uma rápida análise da política sergipana daquela época. Em Sergipe, dizia ele pertencer aos Leite, aos Garcez, aos Rolemberg e aos Cruz “o chão, o Estado, toda a máquina burocrática, os empregos todos e, creio, também a lua e sol, e o vento que sopra os coqueiros”. É que sendo José Rolemberg Leite, governador do Estado, o poder político sergipano estava partilhado entre tios, irmãos, sobrinhos e primos dele. Inclusive, seria o mesmo José Rolemberg que voltaria a governar Sergipe pela Arena, de 1975 a 1979.
Com relação às impressões da vinda da rádio, a Cidade Jardim recebeu a notícia de forma entusiástica. Logo as informações se espalhariam por toda a cidade. Em 1966, já se erguia imponente sua torre. A imprensa chegaria a dizer que “depois de muitas lutas e indecisões, acertos e desacertos”, a Princesa do Piauitinga, ganharia sua emissora e seria então a “pioneira da radiodifusão no interior do Estado”.
Especulações sobre o nome da rádio começariam a surgir. Diziam até que ela seria chamada de Rádio Educadora Santa Cruz. Em meio a esses palpites Jorge Leite, lançaria um concurso para que o povo decidisse de forma definitiva a denominação da emissora. José Félix dos Santos, que dirigiu a emissora por cerca de 40 anos, conta como se deu o concurso: “Dr. Jorge abriu um concurso na cidade, pra quem quisesse participar. Creio que cinquenta por cento dos jovens, dos adultos participaram. Quem venceu foi Luiz Carlos Alves (Luís Perninha). O nome foi lançado por ele”.
Referindo-se à sua participação naquele concurso dos idos 1966, Luiz Carlos Alves, o popular Luís Perninha, um dos jovens daqueles anos, disse como foi atraído: “Foi lançado uma premiação pra escolher o nome da rádio. A pessoa podia mandar até três nomes. Na época eu estudava no Graccho e tinha 18 anos. Decidi mandar os nomes ‘Rádio Nova Esperança’, ‘Rádio Esperança’, mas não me lembro do outro. Por ter sido o vencedor eu ganhei como prêmio um ano grátis no Cinema Gonçalo Prado. Essa promoção se chamava na época de ‘permanente’. Mas teve uma pessoa que obteve o segundo lugar com o nome ‘Rádio Nova Esperança’, que coincidiu com uma de minhas sugestões. Esse ganhou seis meses de cinema gratuito. Eu, com um ano de ‘permanente’, me empolguei, não perdi um dia de cinema e, devido as muitas faltas na escola, reprovei de ano (kkk)”. (Continua).
Por: Acrísio Gonçalves de Oliveira - Pesquisador, professor do Estado e da Rede Pública de Estância
Texto e imagem reproduzidos do site: f5sergipe.com.br
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