Imagem ilustrativa, reproduzida do Google
e postada pelo blog: "Sintonia Radiofônica".
INFORMAÇÃO E MAGIA
A nova era do rádio
O rádio na era da informação - teoria e prática do novo
radiojornalismo, de Eduardo Meditsch, 304 págs, co-edição Editora Insular/Editora da UFSC - Florianópolis, 2001
Editado originalmente em Portugal, pela Editora Minerva, de
Coimbra, O rádio na era da informação é resultado de tese de doutorado
defendida por Eduardo Meditsch na Universidade Nova de Lisboa, em 1997, com o
caudaloso título "A especificidade do rádio informativo: um estudo da
construção, discurso e objetivação da informação jornalística no rádio, a
partir de emissoras especializadas de Portugal e do Brasil em meados da década
de 90". O livro sai agora no Brasil – país cuja bibliografia sobre
jornalismo em geral, e jornalismo radiofônico em particular, é de uma pobreza
próxima à franciscana. O trabalho de Meditsch constitui-se uma notável exceção
a essa regra, em especial por dedicar-se a um meio – o rádio – tido como uma
mídia menor pelos estudiosos mais apressados.
A seguir a entrevista de Meditsch, jornalista e professor da
Universidade Federal de Santa Catarina, concedida, por e-mail, a Luiz Egypto,
do OI. Na seqüência o texto da apresentação de O
rádio na era da informação, por Alberto Dines.
O rádio é o patinho feio do universo dos media? Por quê?
Eduardo Meditsch – O rádio tem uma série de razões para
aparecer como o patinho feio: é um meio invisível em plena era da imagem; um
meio aparentado com a oralidade numa cultura onde o que vale é o escrito; um
meio absolutamente fugaz numa civilização que prestigia a posteridade; e
sobretudo um meio descentralizado, na contramão de um sistema econômico e
político baseado na acumulação. Mas como bom patinho feio, o rádio também se
revela cisne: permanece o meio com maior alcance de público, em números
absolutos de audiência, e o meio que as pessoas mais usam, em horas de utilização
por semana. Com a segmentação, continua sendo o melhor meio para atingir
populações analfabetas e isoladas no meio rural, mas tornou-se também o melhor
meio para falar com as elites urbanas do primeiro mundo O rádio é a principal
fonte de informação dos norte-americanos (e provavelmente de muitos outros
povos que não fizeram a pesquisa) no período matutino. E, quando ocorre uma
catástrofe qualquer, seja humana ou natural, a informação radiofônica é a
primeira que chega e a última que morre.
No que a informação jornalística veiculada pelo rádio pode
diferenciar-se, para o bem ou para o mal, do jornalismo praticado em outros
suportes?
E. M. – O rádio continua sendo "a cavalaria ligeira da
informação", como definiu um autor italiano. Como em tudo que é feito em
velocidade, isto representa uma grande vantagem e um grande risco. Por outro
lado, a comunicação sonora, invisível e em tempo real, que entre os meios de
massa só acontece no rádio, é extremamente emocional, não permite o mesmo
distanciamento crítico. A emoção é importante para quebrar a indiferença do
público, mas pode quebrar muitas coisas mais. O rádio também é o meio de
comunicação com produção mais barata, e a sua viabilização com orçamentos
reduzidos leva à distorção de produzir informação barata: a boa informação
nunca é barata. E, embora a segmentação de audiência não seja invenção nem
exclusividade do rádio, é uma característica incorporada ao radiojornalismo
contemporâneo. Num país com uma situação de apartheid social como o Brasil, a
diferença entre as informações recebidas pelos diversos segmentos da população
não apenas contribui para ampliar o fosso como pode representar sério risco
para a democracia.
A história mostra que uma mídia não elimina outra, por mais
tecnologicamente "atrasada" que esta possa parecer – caso da pintura
e da fotografia, do rádio e da TV, do livro e da internet. A pedra de toque
parece estar na complementariedade dos meios, na sua convergência, e nos ganhos
de qualidade informativa que possam promover nos diversos públicos, em
particular os excluídos. Qual o papel do jornalismo radiofônico nesse processo?
Como ser útil em meio à barafunda de possibilidades informativas à disposição
das sociedades contemporâneas?
E. M. – Há hoje inúmeras possibilidades informativas, mas
poucas estão imediatamente disponíveis quando estou tomando banho, realizando
tarefas domésticas, produzindo trabalhos manuais ou dirigindo o carro num
engarrafamento de trânsito. O tempo livre é cada vez mais escasso, e a
facilidade de recepção neste contexto é que torna o rádio insubstituível até o
momento. Por outro lado, no pólo da produção, qualquer âncora de
radiojornalismo trabalha hoje apoiado não apenas por sua equipe própria de
produção: no estúdio, de onde fala ao vivo, monitora a internet, a TV a cabo e
a mídia impressa. O rádio se tornou a interface sonora da sociedade com este
mundo de informação. Uma interface que poderia estar ao alcance também dos
excluídos, mas não é exatamente o que ocorre numa segmentação orientada apenas pelo
mercado: esta tende a reproduzir e a aprofundar a exclusão. Existem exemplos
históricos, como o dos mineiros da Bolívia, e de várias outras experiências
comunitárias, em que o rádio aparece como ferramenta extraordinária para a
emancipação social e para a democratização. Mas para que funcione assim é
necessário que se vá além da ditadura do mercado e dos estados que controlam as
ondas. O fim da escassez de banda propiciado pelas novas tecnologias traz a
esperança de que isso possa se tornar possível.
Qual a especificidade do rádio informativo ao refletir e
refratar a realidade?
E. M. – O intuito do jornalismo é sempre o de refletir a
realidade, mas a refração ocorre inevitavelmente em certo nível: a realidade é
multiforme, processual, dialética, imparável e infinita; o seu relato
jornalístico é estroboscópico, capta apenas momentos, recortes, determinados
ângulos de observação. Esta refração ocorre em toda a mídia, mas a
característica de cada meio faz com que seja diferenciada. Na mídia impressa,
por exemplo, a periodicidade de cada órgão determina a forma como a realidade
será recortada. Nos meios eletrônicos como o rádio, alcançou-se a
simultaneidade do relato com o acontecimento, que era uma tendência do
jornalismo apontada bem antes disso ser tecnicamente possível. Porém, com esta
simultaneidade, quando se foca um evento particular, sempre em detrimento de
outros, este ganha uma dimensão muito maior do que tem: o rádio amplia tudo o
que cobre, porque só trabalha em primeiro plano. Também a invisibilidade do
meio é uma limitação: nem tudo soa na realidade, é necessária a palavra do
jornalista para guiar o ouvinte, como o cão do cego, numa confusão de ruídos –
diferente do que ocorre (ou que deveria ocorrer) na TV.
Por outro lado, a palavra ainda é o instrumento intelectual
mais poderoso de que dispomos: o rádio, que a isola como a literatura, se
presta melhor ao pensamento abstrato. Mas o problema da recepção auditiva é
proverbial: "o que entra por um ouvido sai pelo outro". A dificuldade
do ouvinte em manter a atenção numa mensagem exclusivamente sonora leva a uma
simplificação radical da linguagem que, embora não determine forçosamente uma
simplificação de conteúdo, quase sempre acaba nela. Chaplin dizia que qualquer
assunto, por mais complexo que fosse, poderia ser simplificado até ser
compreendido pelo mais simplório dos homens, e dizia também que essa deveria
ser considerada a mais elevada forma de arte. Infelizmente, com os salários que
paga, o rádio não mantém muitos grandes artistas em seus quadros. A forma como
refrata a realidade, por isso, não depende apenas das características e
possibilidades do meio, mas também das condições com que é operado hoje.
A interatividade e a conectividade são duas revoluções;
embora ainda em curso, deverão determinar os padrões de relacionamento
interpessoal, social e mercadológico das próximas gerações. No que o rádio
participa e influi nesse processo?
E. M. – O rádio, como primeiro veículo eletrônico, foi quem
começou essas revoluções, na forma rudimentar do ouvinte ao telefone, que hoje
se expande e se diversifica pelas novas possibilidades das telecomunicações.
Esta questão, essencial para compreender o meio, é quase sempre obscurecida
pela mitologia da "era de ouro do rádio", dos radio days localizados
no passado. Pensamos no rádio como um veículo velho, quando ele é mais novo,
por exemplo, que o cinema, e apoiado numa tecnologia mais avançada, já
eletrônica. É preciso entender que a era do rádio é a era eletrônica, que não
terminou – na verdade está apenas começando, o que explica a sua sobrevivência
e a sua força atual. Desta forma, todas as possibilidades novas de uso da
eletrônica, que aos poucos vamos descobrindo, vêm reforçar o rádio como mídia.
Mas para compreendermos isso também é preciso diferenciar o
rádio enquanto mídia do rádio enquanto suporte de telecomunicação (as ondas de
radiofreqüência). O rádio-mídia superou o rádio-telecomunicação, e hoje se
apóia também em outros suportes, como o cabo e a internet. Já o
rádio-telecomunicação nunca se restringiu ao rádio-mídia – antes dele já
atendia, por exemplo, a navegação marítima, e hoje suporta as comunicações por
satélite e os telefones celulares. Um é independente do outro.
Na produção informativa baseada em plataformas digitais
multimídia, o receptor passa a ser o elo mais importante da cadeia, visto que
tem o supremo poder da escolha e, ele próprio, pode transformar-se em produtor
e difusor de informação. Como isso se aplica no âmbito do jornalismo
radiofônico? Que tipo e que nível de interatividade o rádio pode suscitar?
E. M. – Na "teoria do rádio" que esboçou entre
1927 e 1932, Bertolt Brecht imaginou um meio em que o ouvinte fosse também
emissor, mas acreditou que isso só seria possível com a superação da sociedade
burguesa. A utopia de Brecht povoou o imaginário de quase todos os teóricos do
rádio que vieram depois, e finalmente parecem estar dadas as condições técnicas
para a sua realização, através da internet, mas no âmbito da mesma sociedade
burguesa, já que o socialismo real se tornou ainda mais centralizador e
cerceador da liberdade de expressão do que a burguesia do tempo de Brecht. As
possibilidades de interatividade abertas pela eletrônica, no entanto, colocam
novos problemas teóricos e práticos que estão longe de ser resolvidos.
Quanto ao controle da recepção, no rádio, como nos outros
meios, o ouvinte poderá interferir de maneira crescente no conteúdo que recebe,
mas a dúvida é até que ponto vai querer fazer isto. Há tempos já é possível a
qualquer um fazer a sua própria programação musical no toca-fita ou no CD do
automóvel, mas a maioria prefere receber um pacote musical pronto, elaborado
por profissionais do rádio. E pensando no outro pólo, o da emissão, a
possibilidade de ser feita por qualquer pessoa, que já está dada na internet a
um custo bastante baixo, também carrega uma indagação: quem vai ouvir isto? E
quem vai sustentar uma emissora que ninguém ou pouca gente ouve? A
interatividade surgiu no rádio com o ouvinte intervindo por telefone, mas
enquanto um ouvinte interagia, e assim se transformava em emissor, outros
milhares o ouviam e permaneciam como receptores apenas.
A interatividade no rádio, do ponto de vista da
possibilidade de emissão, tem estes limites lógicos: num canal, é impossível
várias pessoas falarem ao mesmo tempo. Em resposta a isso, a tecnologia
possibilita múltiplos canais, mas a audiência se pulveriza neste processo, ou
simplesmente não o acompanha. Atualmente, a tecnologia parece avançar mais
rapidamente do que a imaginação de seus usuários, e não sabemos ainda o que
fazer com todas as possibilidades abertas por ela. Há muita idealização em
torno da questão da interatividade, mas ainda há pouca criatividade efetiva
neste campo.
A concentração planetária dos grupos de mídia em poucos
conglomerados dá-se ao mesmo tempo em que montar uma pequena emissora de rádio
– e nela incluir o jornalismo – deixa de ser um problema operacional grave,
tanto em termos de custo como de aporte tecnológico. A nova era do rádio estará
baseada nas pequenas emissoras com visão global e foco local?
E. M. – As grandes emissoras vão continuar existindo e
dominando a maior parte da audiência, pois a concentração tende a criar
emissoras mundiais e mais redes regionais e nacionais. Em contrapartida, o
caminho está cada vez mais aberto para o surgimento de novas vozes no dial e na
internet, muitas das quais podem vingar e tornarem-se alternativas sérias,
tanto em nível local quanto mais amplo. Torcemos para que isso aconteça, mas
por enquanto a sociedade não parece mobilizada nesta direção. Os setores que
criticam, com razão, o oligopólio da mídia não têm sido muito capazes de
construir alternativas, por mais acessíveis que elas tenham se tornado com o
avanço tecnológico. O fim da escassez de banda – com a disponibilidade cada vez
maior de canais – e a queda assombrosa dos custos de produção, com a
digitalização dos equipamentos, deixa ao alcance de quase todos a possibilidade
de ser ouvido, lido ou assistido, mas poucos estão aproveitando esta
oportunidade.
O Observatório da Imprensa é uma exceção neste panorama:
surgiu na internet com um conteúdo que a mídia tradicional se recusava a
divulgar, garimpou o seu espaço e acabou ampliando-o para a TV pública, em rede
nacional. Mas só conquistou isso porque manteve sempre um alto grau de
profissionalismo, apesar de todos os obstáculos que enfrentou. Infelizmente, a
maior parte das iniciativas de rádio alternativa não contam com uma equipe como
a que o Observatório reuniu, e por isso não vingam. Além disso, uma emissora de
rádio consome uma programação incessante, a dedicação da equipe tem que ser
muito grande, e os obstáculos econômicos e políticos são ainda imensos. Mas
mais cedo ou mais tarde as boas surpresas vão também aparecer aí: a Europa está
cheia de exemplos de rádios concebidas como piratas que se consolidaram como
emissoras paradigmáticas. A TSF de Lisboa, nascida da aventura de um grupo de
jornalistas, tornou-se rede nacional e uma das melhores emissoras informativas
do continente.
Qual sua avaliação sobre o jornalismo que hoje se pratica
nas emissoras de rádio brasileiras? Por que apenas uma cadeia all news (CBN)
está presente no dial?
E. M. – A emissora de rádio geralmente é a prima pobre dos
conglomerados multimídia, o setor que movimenta menos dinheiro. Por causa
disso, fica condenada a funcionar em situação um tanto precária. As condições
de trabalho dos jornalistas de rádio são em geral piores do que a de seus
colegas de outros meios, assim como a sua remuneração é inferior. Em
consequência, o produto está longe de ser o ideal. No Brasil, há um evidente
subaproveitamento das potencialidades do meio, embora muita gente competente e
de talento persista trabalhando no rádio, tirando leite de pedra e dando nó em
pingo d’água. Os orçamentos a que os profissionais são submetidos muitas vezes
são desproporcionais: as rádios jornalísticas faturam bem, costumam atrair bons
anunciantes com o seu prestígio, mesmo quando não têm grandes audiências. A
Rádio Gaúcha, por exemplo, é o segundo veículo eletrônico do Rio Grande do Sul
em faturamento, perdendo apenas para a RBS TV, que transmite a Globo, e ficando
à frente de todas as outras televisões do estado, embora não tenha o primeiro
lugar de audiência em AM.
Em relação às cadeias nacionais, elas demoraram para se
implantar no país devido ao tamanho do território e à precariedade das
telecomunicações, mas tendem a se expandir com a ampliação e o barateamento do
uso dos satélites. A CBN saiu na frente porque partiu já de uma estrutura
montada em vários estados pelo Sistema Globo, consolidou-se com a crise das
concorrentes no Rio e em Brasília, mas não tem a mesma penetração em praças com
tradição regional de radiojornalismo – como Belo Horizonte e Porto Alegre.
Todas as grandes rádios jornalísticas do país, e não apenas as de São Paulo,
trabalham hoje com a perspectiva de se tornarem cadeias nacionais, mas esbarram
nas tradições e nos sotaques regionais, que são muito arraigados nas diversas
"escolas" de rádio deste país imenso.
É inegável o componente mágico do rádio, tal qual você
expressa no seu livro, quando escreve: "A ação à distância, sem contato
físico evidente, a invisibilidade, o poder encantantório da palavra e da música
são efeitos que continuam a desafiar o imaginário social do final do século
20". Esse componente seria capaz de repetir, hoje, a performance de Orson
Welles ao dramatizar no rádio, em 1938, A Guerra dos Mundos, do inglês H. G.
Wells? Entraríamos em pânico com medo dos marcianos?
E. M. – Em outro livro, Rádio e Pânico, de que fui co-autor
além de organizador, avaliamos a experiência radiofônica de Orson Welles, 60
anos depois de sua emissão, e alguns especialistas levantaram esta hipótese de
repetição, provavelmente não mais com marcianos, que já não nos assustam, mas
com a notícia forjada do choque iminente de um asteróide, por exemplo.
Certamente, a magia e o poder mobilizador do rádio causariam, mais uma vez,
muitos estragos, como aliás tem acontecido sempre que A Guerra dos Mundos é
imitada pelo mundo afora. É claro que a dimensão do desastre dependeria de
fatores externos ao rádio, inerentes ao contexto, como os que concorreram para
os efeitos do programa em 1938, nos Estados Unidos. Outro especialista que
participou daquele livro, no entanto, aventou a hipótese do "primeiro de
abril" vir agora pela internet, que tem um tipo diverso de poder
encantatório. O certo é que a velha magia do rádio continua vigente e muito
forte nestes tempos de ceticismo: basta considerar que a informação radiofônica
tem mais credibilidade do que a dos outros meios, segundo pesquisas realizadas
em diversos países.
Texto reproduzidos do site: observatoriodaimprensa.com.br
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