Jornalismo: O radialista Mílton Jung em palestra na ESPM.
Foto: Paulo Lerrer.
“Comunicação é arma poderosa e reveladora”
Mílton Jung – Âncora do Jornal da CBN e do Mundo Corporativo
Mílton Ferretti Jung Júnior é jornalista, radialista e
palestrante. Formado pela PUC do Rio Grande do Sul, iniciou-se na carreira
jornalística na Rádio Guaíba, em 1984, e depois no jornal Correio do Povo.
Ainda em Porto Alegre, foi repórter da Rádio Gaúcha e do SBT. Transferiu-se
para São Paulo para atuar como repórter na Rede Globo de Televisão. No fim de
1992 foi para a TV Cultura, onde apresentou os telejornais 60 Minutos e Jornal
da Cultura, até 1999, quando mudou-se para a recém-inaugurada RedeTV!, na qual
apresentou o Leitura Dinâmica e narrou jogos de futebol e tênis, até sair da
emissora, em 2001. Apresentou o Jornal do Terra, do Portal Terra, nos anos de
2004 e 2005. Está na rádio CBN desde 1998. Em 2011 deixou de apresentar o CBN
São Paulo, na rádio CBN, o qual apresentava desde 2000, passando a apresentar o
Jornal da CBN, no lugar de Heródoto Barbeiro. Mantém o blog
www.miltonjung.com.br. O trabalho no rádio rendeu até agora dois livros: Conte
sua história de São Paulo (Editora Globo, 2006), baseado num quadro do CBN São
Paulo, e um manual dedicado a estudantes de jornalismo: Jornalismo de Rádio
(Contexto, 2005), adotado por vários cursos universitários. Criou em 2008 a
rede Adote um Vereador, na qual os cidadãos são convidados a acompanhar e fiscalizar
o trabalho dos legisladores municipais. É co-autor do livro “Comunicar para
Liderar” (Contexto) com a fonoaudióloga Leny Kyrillos.
Mílton, você é um excelente entrevistador. O que é mais
difícil, ser entrevistado ou ser o entrevistador?
Ser o entrevistador. Especialmente se a entrevista for ao
vivo no rádio. Com a pressão do tempo, sempre curto, a pergunta tem de ser
precisa, quase cirúrgica. Perde-se a entrevista muitas vezes na pergunta
inicial. É necessário atenção para que o entrevistado não fuja do tema
principal; sensibilidade para interrompê-lo se a resposta está se estendo mais
do que o desejável, cuidado para não se deixar ser enganado, e perspicácia para
perceber que um novo assunto pode estar surgindo em meio a resposta que ele
apresenta, um assunto diferente daquele que você imaginava ao pautar a
entrevista.
Claro que há perigo e desconforto ao sermos entrevistado,
conforme a situação. Mas pense que o entrevistado é quem domina plenamente o
assunto abordado.
Para onde você acredita que o jornalismo está caminhando?
Deixamos de ter o domínio da transmissão dos fatos. O
conhecimento está disseminado. E o cidadão tem à disposição uma variedade muito
maior de fontes para consultar e canais para divulgar sua informação. Em 30
anos, quintuplicou a quantidade de mensagens recebidas por uma pessoa ao longo
de um dia, diz pesquisa publicada no livro “Mente Organizada” do médico
americano Daniel Levitin. O jornalismo precisa se diferenciar dessa massa,
apurar mais, investigar sempre, buscar incessantemente a verdade possível,
respeitar a hierarquia do saber, ou seja ouvir quem sabe mais do que ele, e
publicar esta informação de maneira que ajude a sociedade a entender o que
acontece no seu entorno. Equilibrar agilidade e precisão é fundamental, pois
temos a obrigação de construirmos nossos trabalhos sob o signo da
credibilidade. É isso que fará o público compreender a diferença entre publicar
informação – qualquer informação – e fazer jornalismo.
E o rádio, como se situa neste momento com toda revolução
digital?
O rádio é um veículo que nasceu há 90 anos, mas como nenhum
outro da era pré-internet já tinha características muito próximas daquelas que
identificam os veículos da era digital. Desde seus primórdios, o rádio já se
relaciona com o ouvinte oferecendo mobilidade, velocidade e interatividade. Tem
estendido seu conteúdo a outras plataformas e entregue ao seu cliente a
possibilidade dele customizar a programação, por exemplo, com a produção de
podcasts. Levando em consideração ainda o excesso de informação produzida e a
falta de tempo para consumir todo este conteúdo, o rádio facilita a vida do
cidadão ao transmitir os fatos em tempo real e atualizá-lo sem competir com as
demais atividades que ele realiza: você ouve rádio no carro, no ônibus, no café
da manhã, no seu celular e enquanto trabalha. Você ouve tudo e faz tudo ao
mesmo tempo.
Quais as principais mudanças no rádio que os ouvintes ainda
não notaram, mas que fará uma diferença tremenda em um futuro não tão distante?
No Brasil, será o fortalecimento do podcast com a marca das
emissoras que construíram credibilidade e mantém sua reputação com a produção
de jornalismo qualificado e equilibrado. O rádio tende a descobrir essa
ferramenta como um negócio próprio e não apenas um acessório a ser oferecido em
sua página ou aplicativo. Nos Estados Unidos, já temos programas no formato de
podcast com audiência impactante e transformadora. Vamos seguir aqui pelo mesmo
caminho, independentemente do fato de a produção surgir em uma redação tradicional
de rádio ou na mesa de escritório de um profissional criativo de qualquer que
seja a sua área. Daremos ao ouvinte a possibilidade dele próprio construir sua
grade de programação.
Como analisa o jornalismo que é praticado em nosso país
atualmente?
O jornalismo enfrenta uma crise de identidade diante da
disseminação dos canais de informação e do fenômeno, sobre o qual já me referi,
da era digital, que democratizou o acesso e a produção de conteúdo. Hoje,
qualquer cidadão com seu celular em mãos grava, fotografa, edita e publica
informação que pode ter longo alcance conforme o poder de compartilhamento da
rede em que ele atua. Muitos confundem isso com jornalismo quando isso é apenas
mais uma informação e, geralmente, apenas uma parte da verdade da história.
Muitos jornalistas e veículos de comunicação têm perdido seu
foco de atuação frente a esse novo comportamento da opinião pública que consome
toda e qualquer informação produzida independentemente da sua veracidade.
Muitas vezes sem análise crítica do que está consumindo.
Sem se perceber a fragilidade da informação publicada, “eu
vi no Facebook” tem se tornado tão comum quanto o “deu no New York Times”,
expressão que ganhou o mundo para validar a qualidade da notícia propagada, ou
“deu no rádio”, como costumavam dizer meus conterrâneos.
Acreditar que devemos competir de igual para igual nesse
cenário, perdendo-se a essência do jornalismo que, como já disse anteriormente,
é a busca da verdade possível e a construção da credibilidade, apenas agravará
ainda mais a situação dos veículos de comunicação que têm tido dificuldade para
encontrar fontes de financiamento.
Por outro lado, também é verdade que tem se percebido o
surgimento de projetos às vezes experimentais ou desenvolvidos por grupos
pequenos, outros dentro de redações mais bem estruturadas com o intuito de
encontrar um novo caminho para o jornalismo, mais próximo das necessidades e
interesses do consumidor de informação.
Dentre esses projetos, destaco os que buscam atuar na função
de curadoria de notícias, oferecendo produtos que nos mantenham atentos aos
principias fatos, porém sem tomar o tempo escasso que se tem à disposição; os
que construíram equipes de checagem de informação para contrapor a enorme
quantidade de notícias falsas e mal apuradas que rondam as redes sociais; e os
que entenderam que o produto jornalístico não se basta em apenas uma
plataforma, é fundamental que se use as demais mídias para dar sustentação ao negócio
maior que os veículos realizam que é o jornalismo propriamente dito,
independentemente do meio propagado.
Qual foi a coisa mais incrível dita em seu programa “Mundo
Corporativo” que fez você pensar de uma forma que nunca tinha imaginado e que
de alguma forma, o fez refletir até mesmo em sua carreira como profissional?
São cinco anos no comando de programa com entrevistas todas
as semanas e com profissionais das mais diversas áreas. Portanto, muito
ensinamento colhi nestas conversas e busquei praticar em meu cotidiano, na vida
profissional e pessoal. Muita coisa aprendi e provavelmente não lembrarei mais
quando e de quem ouvi algumas reflexões.
Lembro, agora, de um colega que até recentemente esteve ao
meu lado no Jornal da CBN e antes passou pelo Mundo Corporativo como
entrevistado e deixou perguntas que me levaram a refletir sobre meu papel:
Adriano Silva me fez pensar sobre o que significa ser bem-sucedido
profissionalmente, além de ter me ensinado que o fracasso faz parte da
construção da minha personalidade.
E para citar uma entrevista bem mais recente: José Carlos
Teixeira Moreira, da Escola de Marketing Industrial, além ensinar os pilares
para termos uma liderança genuína também lembrou-me que na vida há momentos em
que temos de pensar na ideia do deslançamento do produto; e no nosso caso nós
mesmos somos o nosso produto.
Existe alguma armadilha que um âncora não pode cair de
maneira alguma quando conduz um programa?
O radiojornalismo é feito ao vivo, portanto estamos
vulneráveis e expostos. O volume de informação que circula por mais diferentes
canais de acesso, a pressão da opinião pública e a nossa ansiedade em dar a
notícia em primeira mão podem se transformar em um coquetel pernicioso a
reputação jornalística.
Os âncoras dos programas jornalísticos brasileiros de um
modo geral, estão fazendo o papel que se espera de um âncora em sua visão?
Muito difícil analisar desta maneira, pois temos âncoras
para todos os gostos e ideologias, para todas as formas e interesses. Assim,
não há como fazer uma avaliação coletiva do papel dos âncoras sem que se cometa
injustiça – para o bem e para o mal. Particularmente, discordo do papel
exercido por alguns colegas de profissão. E admiro outros tantos.
O que se deve pensar é: o que se espera do âncora dos
programas jornalísticos? No meu caso: apuro e responsabilidade no trato com a notícia;
equilíbrio na abordagem; abertura de espaço para o contraditório; e capacidade
de contextualizar os fatos.
Quando se entrevista um executivo ou gestor, é possível
observar mais ou menos pela sua visão, como é o funcionamento da sua
organização?
A comunicação é arma poderosa e reveladora. Gestores que se
comunicam bem tendem a liderar melhor e isso vai impactar nos resultados da
empresa e na relação com os colabores. Verdade que há casos de gestores que se
comunicam mal mas administram bem. Esses, porém, perdem excelente oportunidade
de levar a sua experiência e conhecimento ao restante da sociedade e a ajudar a
construir uma imagem positiva sobre sua reputação e capacidade profissional.
Você escreveu um livro com a fonoaudióloga Leny Kyrillos
chamado “Comunicar para Liderar”. O que você considera ser a comunicação
perfeita de um líder?
Foi o Papa Francisco, um líder da era moderna, que nos
ensinou: “comunicar significa partilhar e a partilha exige a escuta, o
acolhimento”. Portanto, o líder comunicador tem de ser capaz de transmitir a
mensagem de maneira assertiva tanto quanto saber ouvir assertivamente o seu
interlocutor.
Quando um palestrante percebe que a comunicação com o seu
público foi perfeita?
Quando o olhar do público está mais voltado para ele do que
para a tela do celular.
Texto e imagem reproduzidos do site: panoramamercantil.com.br
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