quinta-feira, 1 de dezembro de 2016

A História do Rádio Sergipano



Publicado originalmente no blog de José Augusto Silva Prudente, em 27/05/2014.

A História do Rádio Sergipano (revisão 1 - 27/5/14)*
Por José Augusto Silva Prudente.
                
Introdução.

Permita-me conduzir-lhe nesta viagem pela história do rádio sergipano. Esta narrativa não é pioneira nem única. Aqui mesmo na internet outros relatos semelhantes podem ser encontrados e até encorajo os estudiosos e curiosos a pesquisá-los. O meu relato diferencia-se pela sua organização em capítulos e por retratar minha experiência real, vivida ou testemunhada ao longo de cerca de 10 anos do que foi talvez o período mais rico e emblemático dessa fantástica ferramenta de comunicação, o rádio.

Masculino ou feminino.

A palavra comporta grafias, pronúncias e significados diferentes. Se lá no "interiorzão" você ouvir: "Deu na rádia", não estranhe. É apenas a forma vulgar, errada, de se referir à estação de rádio. No masculino, desprezando o significado anatômico do osso do ante-braço, rádio é o aparelho receptor que capta as transmissões radiofônicas e é também um sistema de comunicações e entretenimento. Este é o rádio de que trataremos aqui.

As Emissoras e seus locutores.

As emissoras de rádio são estações dotadas de aparelhagem eletrônica capaz de transformar sons em ondas eletromagnéticas que se propagam no espaço (este "espaço" também já foi muito referido como "éter", embora nada tenha a ver com a substância éter, por sinal inebriante). Essa mera coincidência, curiosamente vem a calhar porque a atividade de rádio é considerada pelos que a abraçam uma "verdadeira cachaça", tão viciante que é.
Estas duas formas de energia, sons e ondas eletromagnéticas, constituem a essência do rádio e não é à toa que quase todos os símbolos e logotipos de estações de rádio representam microfones e antenas.
No espaço não existem fronteiras. Nada impediria que uma rádio daqui viesse a interferir com uma outra num país diferente. Então, desde priscas eras, as nações assinaram acordos para garantir uma certa ordem na casa. Isto gerou regras que cada país aplica, não só às transmissões radiofônicas destinadas ao grande público, como também às comunicações, aviação, hobby (radioamadorismo) , televisão, etc.
As estações de rádio, então, tinham que se submeter a essas regras, que no Brasil eram definidas e fiscalizadas pelo Dentel (Departamento Nacional de Telecomunicações). Para se criar uma rádio é preciso haver um processo no Dentel, que o examina tecnicamente em termos de localização, potência, frequência, etc. e, estando tudo OK, concede-se a autorização de funcionamento, atribui-se um prefixo e assim a rádio pode ser operada. Uma rádio que não cumpra essas exigências é simplesmente uma rádio pirata. Para que o Dentel possa comprovar que a nova rádio realmente atende aos requisitos, é-lhe dada uma autorização provisória. É a dita fase experimental. Antigamente, essa fase durava cerca de 2 a 3 meses e durante este tempo as rádios não podiam transmitir mensagens comerciais.  Hoje as regras são mais brandas. Durante a fase experimental, a rádio transmitia música e apelos à população para que escrevessem dizendo como recebiam as transmissões. Era assim que se conhecia o real alcance da rádio, que dependia muito da topografia, distância, horário e mais uma infinidade de fatores.
Por outro lado, as rádios continuam sendo uma concessão pública do governo e, como em tudo de governo, impera a burocracia e o tráfico de influência. Não é à toa que a grande maioria dos proprietários de rádios e TVs são políticos, que são ou já foram alinhados com os mandatários de plantão.
Existe um componente físico que encarna esse poder concedente do Estado: é o chamado "cristal" da rádio. Essa peça é a responsável pela geração da frequência de transmissão. Quando acontece (rarísssimas vezes, felizmente) que o governo queira impor a suspensão de uma estação de rádio, as autoridades vão até o transmissor, retiram o cristal e o confiscam. Sem ele, a rádio não funciona. Isto aconteceu no ano de 1964, lembram?

 Rádio Difusora de Sergipe PRJ-6 (seu nome agora é Aperipê-AM).

A história do rádio em Sergipe se inicia com a antiga Rádio Difusora de Sergipe PRJ-6, que funcionava num anexo do Palácio Serigy, à rua José do Prado Franco. Era uma estação de propriedade do Estado de Sergipe, que esteve arrendada por muito tempo ao Sr.Augusto Luz e tinha como diretor técnico o Sr.Cláudio Silva, genitor de uma família extraordinária de talentos radiofônicos: Maria Cláudia, dona de uma voz excepcional, foi a primeira locutora do Estado; Wolney Silva, também excelente locutor, logo se mudou para o Rio, onde atuou em diversas emissoras e na Voz da América, tendo sido o substituto do renomado Heron Domingues, que fazia o Reporter Esso da Rádio Nacional do Rio de Janeiro; e Paulo Silva, que deu continuidade ao negócio de carros de propaganda do pai, sendo talvez mais conhecido como empresário, dono do Café Sul-Americano. Antes da Rádio Difusora, houve uma rádio experimental, que funcionou nos fundos do Palácio Olímpio Campos, sob o comando de Marques Guimarães, também conhecido como “Pulga Prenha”, que por diversos governos assumia as funções de secretário de imprensa e chefe de cerimonial. Essa rádio experimental funcionou sob o nome de Aperipê, que mais tarde viria a substituir o nome de Rádio Difusora.
A programação da Difusora era bem eclética, com programas de auditório, crônica social, culinária, esporte, notícias e todas as facetas que o rádio da época tinha. Dito assim, parece que havia uma estrutura grande e organizada por trás. Nada disso. O que havia era uma turma vocacionada e disposta a vencer obstáculos e fazer-se parecer com as rádios do sul, que ditavam a moda.
A Difusora revelou alguns valores que permaneceram em evidência por muito tempo, a exemplo de José Eugênio (esporte), Santos Mendonça (jornalismo e variedades), Silva Lima e outros. Foi também palco de diversos valores musicais, entre eles Seu Oscar, Dão, Vilermando Orico, Antonio Teles, Edildécio Andrade, assim como orquestras e regionais.
Atuaram como locutores na Difusora Maria Claudia, Wolney Silva, Santos Santana, Nairson Menezes (egresso do rádio paulista), Alvaro Macedo, J.Honorato, Jailton Oliveira, Reinaldo Moura, Carlos Silveira, Jairo Alves, em épocas não exatamente coincidentes.
Depois dessa fase inicial, a Rádio Difusora passou por mudanças administrativas e artísticas, decorrentes da dura concorrência da nova Rádio Liberdade de Sergipe ZYM-20, do empresário Albino Silva da Fonseca, e seu inevitável impacto  no faturamento.
Passou a ser uma rádio apenas musical, adotando o slogan de "uma radiola em seu lar". Era um modelo novo de rádio que surgia no sul do País, bem mais econômico, sem cachês (gratificação em dinheiro paga a participantes esporádicos que se apresentam nos programas ao-vivo). Esse modelo havia sido criado recentemente e logo foi adotado por rádios famosas como a Rádio Jornal do Brasil, Tamoio, Mundial, entre outras. Consistia em ter uma discoteca diversificada e de boa qualidade, cujas músicas eram apresentadas de forma regular e padronizada em que o  locutor laconicamente anunciava o cantor ou orquestra, entrava uma música, ao final o locutor dizia o nome da música executada e o intérprete, entrava uma mensagem comercial, o locutor dava a hora certa e a sequência se repetia indefinidamente. Foi um momento de transição, que marcou a extinção do estilo rádio-espetáculo, de orquestras e cantores ao vivo, de novelas, programas humorísticos e atrações custosas. Esses tipos de atrações passaram para a televisão, que dava então seus primeiros passos. No Rio e São Paulo, talvez por força de contratos assinados com anunciantes e com artistas, o estilo tradicional ainda durou um tempo, mas pouco a pouco foi sendo abandonado. Programas como "Balança Mas Não Cai" e "PRK-30" ainda eram transmitidos pelas Rádios Nacional, Tupi e Mayrink-Veiga, mas foram substituídos por equivalentes na TV-Tupi, TV-Rio e mais tarde, TV-Globo.

 Rádio Liberdade de Sergipe, ZYM-20 (Atual 930-AM Bandeirantes).

A Rádio Liberdade nasceu sob inspiração política da União Democrática Nacional UDN, partido que rapidamente ganhou força, contrapondo-se ao PTB de Getúlio Vargas. Em Sergipe tinha muitas e influentes figuras políticas como Leandro Maciel, Lourival Batista, Luiz Garcia, Seixas Dória, Passos Porto, mas não dispunha de uma rádio potente para alcançar todo o Estado. Albino Silva da Fonseca era um empresário do ramo de panificação e biscoitos e era simpatizante da UDN. Criou então a Rádio Liberdade, uma estação bem mais potente, 10 vezes mais forte que a Difusora e cujas transmissoes eram ouvidas desde o Ceará até o sul da Bahia. Migraram para a Liberdade alguns valores da Difusora, entre eles Santos Mendonça e Silva Lima.  A Liberdade foi instalada nos  fundos da Padaria Ceres, do mesmo dono da rádio, à rua Itabaianinha, e suas instalações eram semelhantes à Difusora: uma porta de acesso, uma escadaria até o andar superior, e um auditório com o palco dando acesso à sala técnica e à cabine de locução. Espremendo-se no pequeno espaço que sobrava, havia escritório e discoteca, onde ficavam os discos tocados na programação. A Liberdade conquistou logo uma grande audiência, e sua programação ecoava nas ruas da cidade. Naquela época havia pouquíssimos automóveis e todo mundo andava a pé. O comércio funcionava em dois turnos das 8 as 12 e das 13:30 as 17:30hs. Todo mundo almoçava em casa.  Quando as pessoas iam e vinham do trabalho, ouviam na rua, clara e fortemente, o som  dos rádios das casas por onde passavam. E só se ouvia a Liberdade. Nessa hora do almoço, Silva Lima reinava com o seu vibrante Informativo Cinzano e sua Parada de Esportes. Carlito Melo comandava o Carrossel da Alegria das 17 as 18 horas, um programa de oferecimentos musicais que simulava uma fictícia corrida de cavalos, em que cada animal tinha o nome de um ritmo musical. O Carlito dizia "Foi dada a largada. Na ponta o cavalinho Samba, seguido pelo cavalinho Mambo,..." e ia batucando com os dedos na mesa, fazendo o trotar dos cascos dos cavalos. Se a musica que ele queria tocar era uma rumba, por exemplo, do meio para o fim da corrida o cavalinho Rumba ia passando os outros e ganhava. "Venceu o cavalinho Rumba". Aí vinha a mensagem de aniversário e tocava-se a rumba. Era criativo e interessante. Creio que se inspirou no carrossel de Tobias, um brinquedo tradicional das feirinhas de natal, que tinha imitações de cavalinhos que rodavam montados pelas crianças. No começo e no fim de cada rodada do carrossel, tocavam um apito. O Carrossel da Alegria tinha também o mesmo som do apito.
Silva Lima apresentava também "Coisas de Cinema", um programa que analisava e criticava filmes e atores, com a participação de um cinéfilo amador cognominado "Dr. Gastão".  Silva Lima apresentava ainda uma crônica social diária produzida por um polêmico  cronista chamado Carlos Henrique, apelidado de "Bonequinha". Era ua crônica mordaz e irreverente.
Sem duvida o programa de maior repercussão da Liberdade era o Calendário, de Santos Mendonça, irradiado diariamente as 20 horas. No início era inspirado nos velhos calendários de propaganda de Capivarol e Biotônico Fontoura, também chamados de Folhinhas, em que ia-se destacando suas páginas, uma a uma, todo dia, e apareciam  informações como fatos históricos da data, os santos do dia, os dias decorridos do ano, fases da lua, etc. O Calendario iniciava-se sempre com a mesma abertura: "Boa noite ouvintes. A voracidade do tempo anuncia sua marcha. São decorridos 98 dias  do ano de 1960 faltando 263 dias para seu termino...". Tinha seções de curiosidades, aviso aos motoristas, etc. Com o passar do tempo, Santos Mendonca percebeu que tinha uma audiência  grande e fiel e que aquele estilo de programa já não interessava tanto. Passou então para um formato livre e assumiu um papel de jornalismo opinativo e investigativo. Dois casos policiais que abalaram a cidade foram a grande oportunidade que apareceu para Santos Mendonça se projetar na carreira política, tendo sido vereador e deputado estadual, cassado no governo revolucionário. Os casos foram o assassinato do menino Carlos Werneck pelo seu vizinho La Conga e o assassinato do médico e político Carlos Firpo, dizem, a mando de sua esposa Milena Mandarino, com a cumplicidade de um coronel da Aeronáutica.
Outro programa da Liberdade foi "Uma Cronica Para Você" de Wellington Elias com narração de Aloisio Lisboa.
Foram locutores da Liberdade, além dos citados, Cid Morais, Fernando Souza, Ana Gardênia, Castro Filho, Cadmo Nascimento, Antonio Pádua, Humberto Mendonça, Jose Carlos e outros.
A Rádio Liberdade de Sergipe passou a se chamar Liberdade-AM e hoje é a 930-AM, filiada a Rede Bandeirantes.

 Rádio Jornal de Sergipe ZYM-21.

Assim como a Liberdade, anos depois nascia a Jornal, também sob inspiração política, só que do Partido Social Democrático PSD. A rádio Jornal foi instalada precariamente num sítio no Bairro Industrial e logo se transferiu para seus estúdios na rua da Frente, Av. Rio Branco. Tinha só 1 kW de potência e suas instalações eram modestas. Não tinha auditório. Seu primeiro locutor foi Sodre Júnior. Também atuaram José Augusto Prudente, José Augusto Santos, José Augusto Fontes (falecido), Paulo Lacerda, Alberto Lacerda (falecido), Magner Andrade, Raimundo Almeida (falecido), Nazare Carvalho, Carlos Mota (falecido), Nairson Menezes (falecido),  Nelson Souza (falecido), Lenaldo Menezes, Costa Cavalcante, Geraldo Chagas,  João Ribeiro (falecido) , Cadmo Nascimento (falecido) entre outros.
Nas transmissoes esportivas destacou-se Carlos Magalhaes.
Sua programação era a corriqueira e teve como destaque especial um programa humorístico chamado "Risolândia", produzido por Nelson Souza e Humberto Guerrera. Esse programa fazia críticas pesadas ao governador Luiz Garcia (da UDN) e conta-se que, certa noite, membros da casa militar do Palácio do Governo sequestraram os produtores do programa e os levaram para um local ermo, chamado "estrada da cerâmica" e lá os agrediram, como forma de intimidação.  Outro programa de sucesso foi "Com a Boca no Mundo" apresentado por Raimundo Almeida.
Nos comícios pré-eleitorais do PSD houve boicote de energia elétrica para impedir a transmissão da Rádio Jornal. Com o passar do tempo a politica foi se civilizando e a paz voltou a reinar.

 Rádio Cultura de Sergipe ZYM-22.

Igualmente potente como a Liberdade, a emissora católica da Arquidiocese de Aracaju foi criada em 1959 por D. José Vicente Távora, como parte de um programa de alfabetização em massa chamado MEB - Movimento de Educação de Base, que distribuía receptores cativos (só pegavam a Rádio Cultura) por comunidades pobres no interior do Estado.
A Rádio Cultura, sob o comando de Alencar Filho e Sodré Junior, restabeleceu o estilo de produções artísticas, recrutando respeitados intelectuais locais (Benvindo Sales de Campos, Hugo Costa, Jurandir Cavalcanti, Leonardo e Hunaldo Alencar, Núbia Marques...), como também músicos de escol como Macepa, Carnera, Maria Olivia,...para se apresentarem ao vivo em seus estúdios. A Rádio Cultura apresentava diariamente um programa infantil teatralizado, "O Gato de Botas", sob o comando da professora Aglaé Fontes e com a participação de crianças alunas de sua escolinha de teatro infantil. A Rádio Cultura levou ao ar também produções de rádio-teatro com o seu cast de locutores e convidados. Entre as produções radiofonizadas merecem citação especial a Paixão de Cristo e a Guerra dos Mundos. Esta última gerou grande polêmica porque foi uma reedição da obra de Orson Wells, que se notabilizara por uma transmissão fictícia de uma invasão da Terra por seres alienígenas, com todo um clima de suspense e pânico que levou os ouvintes, lá nos Estados Unidos, a uma crise de histeria coletiva. Aqui não foi diferente. Todo o programa foi irradiado como se fosse uma transmissão real ao vivo, com entrevistas de pessoas assustadas com as naves e os ET's, efeitos sonoros e tudo. Só ao final foi dito que se tratava de uma obra de ficção. No dia seguinte choveram protestos indignados das pessoas que se deixaram enganar.
As noites de sábado e domingo eram particularmente movimentadas nos estúdios da Cultura, quando aconteciam sequências de programas chamadas "Programascope" e "Caleidoscópio", que eram produções curtas e bem criativas, às vezes entremeadas com técnicas teatrais de jogral. A dinâmica dessas produções exigia uma intensa movimentação de locutores e atores, que obrigava o estúdio-B a operar com as  portas abertas. Nessas produções, merece destaque especial a figura do técnico de som (controlista como era chamado) cuja habilidade em trocar os discos e faixas das vinhetas sonoras era essencial para o sucesso. Walter Teles e Leonardo Teles eram os astros desse espetáculo. E era tudo ao vivo.
A Cultura tinha um programa diário de intercâmbio com os ouvintes, o "Caixa Postal 81",  apresentaado por Alencar Filho e Acácia Maria e também um noticiário informal apresentado por Alencar Filho.
Eram locutores da Cultura nessa época: Sodré Junior, Raimundo Almeida, Oscar Macedo Filho (que foi trabalhar na Rádio PanAmericana de São Paulo), Luciano Alves (que foi para a Rádio Globo do Rio), G.Rezende, José Augusto Prudente (eu), Aloisio Lisboa (que foi para a Rádio Bahia em Salvador, Ana Gardênia, Acácia Maria, Dimarães Mota, Manoel Silva (que apresentava "Manhã Sertaneja" e a "Crônica da Ave Maria"), Hélio Fernandes, Gilvan Fontes (que fazia o Roteiro das Onze), Irandi Santos,  João Batista, Dermeval Gomes, Acival Gomes  e outros.
As transmissões esportivas tinham o comando de Raimundo Luiz, narração de  Paulo Gomes e comentários de Coelho Menezes, Alceu Monteiro e Wellington Elias.

 Rádio Atalaia de Sergipe.

Nascida também sob inspiração política, em 1968, a Rádio Atalaia funcionou inicialmente  no Edifício do Hotel Palace, na Praça General Valadão, mudando-se depois para a colina do Santo Antônio, onde viria a funcionar também a TV Atalaia, ambas do ex-governador Augusto Franco. Tinha 10 Kw na antena e foi dirigida por Sodré Junior e Nairson Menezes. Não tinha auditório próprio, mas chegou a apresentar um programa de auditório a partir do Cine Rio Branco, na rua João Pessoa, com entrada franca, comandado por Oliveira Junior. Seus locutores foram Paulo Roberto e Carlos Macedo, egressos da Rádio Esperança de Estância, Eliana Reis, José Augusto Fontes, José Augusto Prudente, que apresentava o programa Todo Assunto Puxa Música, Carlos Mota que apresentava o Show de Noticias, com a participação de Nairson Menezes fazendo dois tipos caricatos (Lilico Suingue e Dona Fifica), Laurindo Campos apresentava o programa "Fatos sem Fotos", uma crônica social, e Sodré Junior apresentava um programa jornalistico diário de entrevistas, chamado "Lavamos as Mãos". O departamento de jornalismo era comandado por Sergio Gutemberg e no departamento esportivo atuavam Paulo William, Augusto Azevedo, Gilson Rollemberg, Antonio Lobão e Carlos Rodrigues.

Outras emissoras.

Por pouco tempo funcionou também uma rádio-escola diretamente da antiga Escola  Industrial de Sergipe, destinada à formação de técnicos em eletrônica e telecomunicações. Esta emissora lançou dois locutores que viriam a atuar em rádios comerciais normais: Carlos Machado e Jairo Alves, este de muito sucesso, ainda em atividade na Rádio Cultura.

 Finalmente, apareceram as rádios FM Atalaia, Jornal-FM, Aperipê-FM, Liberdade-FM, FM-Sergipe, Ilha, 103-FM, UFS, Delmar (hoje Jovem-Pan),  Aracaju-FM e outras.
Na mesma época do surgimento das FMs, foi visível o surgimento e o rápido desenvolvimento de rádios com motivação religiosa. A Rádio Cultura, que já era católica, passou a ser administrada pelo grupo Shalon e deixou de ser uma rádio comercial para se transformar numa rádio por assinatura, custeada por contribuições  de associados. A Rádio Atalaia foi arrendada por uma igreja evangélica. Surgiram diversas FMs de programação gospel e estritamente evangélicas. Algumas emissoras foram arrendadas a grupos religiosos e perderam suas caracteristicas originais. Diveras cidades do interior passaram a ter suas rádios locais (Tobias Barreto, Geru, Simão Dias, São Domingos, Glória,  Itaporanga, Itabaiana, Lagarto, Frei Paulo, Estancia, Carmópolis e Canindé). Em consequência, o mercado de trabalho aumentou consideravelmente  nos anos mais recentes.

Os Departamentos Técnicos.

A história do rádio não estaria completa se não incluisse a figura carismática de Pedro Apóstolo de Jesus, um técnico autodidata que sabia tudo sobre transmissão de rádio. Foi pessoalmente técnico da Difusora e da Liberdade e deixou como legado seu filho José Apóstolo que assumiu a técnica da Rádio Cultura. Mas quando a bronca era grande, o velho pai era chamado e socorria o filho. Grande parte da experiência de Pedro Apóstolo veio da montagem de inúmeros equipamentos de rádio amador, hobby que esteve em alta décadas atrás. Eram equipamentos potentes acionados a válvulas (não existia essa coisa de transistores, circuito integrado, etc.). A Rádio Jornal contratou o técnico José Augusto e a Atalaia o competentíssimo técnico Aldomanúcio Rodrigues.
Invariavelmente, as rádios AM tinham uma mesa de som de 4 a 6 canais mono (não estereofônicos). Um canal para um tocadisco, outro para um segundo tocadisco, um para entradas de linha auxiliar e um ou mais para microfones. O controlista sentava-se à mesa, entre os tocadiscos e tinha em frente as chaves de linhas e microfones, os botões de volume de cada canal, um medir chamado VU-meter que mostrava no ponteiro o nível de modulação. Se fosse pequeno a rádio não desenvolvia sua potència; se fosse excessivo o som distorcia e a rádio terminava desarmando (saindo do ar).  Ainda mais em frente  ficava "o aquário" (um visor de vidro duplo através o qual o locutor na cabine se comunicava por gestos com o controlista). Entre os controlistas que atuavam na época, destacam-se Leonardo Teles, Walter Teles, Moacir Lima e Adoniel Amparo  da Cultura, José Antonio, Almir Andrade e  Tuca da Jornal, Almerita Rodrigues e Jane Vieira da Atalaia.
Na técnica havia também 2 receptores de rádio, sendo um para se ouvir a própria estação e outro para sintonizar outras rádios a serem retransmitidas, como no horário da Voz do Brasil. O som produzido nos estúdios chegava aos transmissores, localizados fora da cidade, através fios que seguiam pelos postes da rede pública de distribuição de eletricidade.  Só a Rádio Cultura dispunha de um link de FM para este fim.

O Departamento de Jornalismo.

O rádio sempre teve no jornalismo um dos seus principais focos de atenção. Em toda programação de rádio os programas noticiosos eram bem destacados. Nas grandes emissoras de fora, as noticias eram redigidas a partir de informações de repórteres, ou captadas de agências noticiosas tipo United Press,  France Press, Meridional, etc. Em Aracaju nenhuma rádio assinava esses serviços noticiosos. Houve um tempo em que a Rádio Cultura contratou rádio-telegrafistas suficientemente hábeis para captar as trasmissões das agências e datilografar as notícias (Rios, Gouveia e Novais foram alguns). A transmissão em código morse era extremamente rápida e mesmo estes profissionais às vezes não conseguiam captar tudo. As notícias saíam com palavras trocadas ou faltando. Era indispensável uma revisão por um redator para que pudessem finalmente ser lidas pelo locutor. Esse esquema era caro e trabalhoso. O normal, usado por todas as estações, era se sintonizar rádios do sul (Bandeirantes, Nacional, Tupi, etc.) e gravar seus noticiosos em gravadores de fita (ainda não havia o cassete). Feita a gravação, o redator sentava-se à maquina e, parando e soltando a fita, às vezes voltando para entender algum trecho obscuro, transcrevia para o papel as notícias. Não raro, alguma interferência nas ondas curtas das rádios do sul do País, justo naquele ponto crucial, dificultava o entendimento do redator e saiam coisas hilárias, tipo: “o senhor fulano foi homenageado e recebeu o título do doutor Honório de Caldas…” (era doutor honoris-causa), ou “a policia conteve os manifestantes com o uso de bombas de efeito mortal (era efeito moral), etc. Por vezes o locutor só se apercebia do erro após ter falado a asneira, e a gargalhada no  ar era inevitável. Antes dessa "moderna tecnologia", havia a "tesoura-press", que consistia em recortar páginas de jornais impressos, colando as notícias num papel a ser lido pelo locutor.
Com o advento dos mini-gravadores cassete o rádio-jornalismo teve um grande impulso na cobertura de eventos locais. Os reporteres tinham agora meios práticos de gravar depoimentos de pessoas, editá-los e inserí-los nos noticiários.
Os departamentos de rádio-jornalismo tiveram em Sérgio Gutemberg e Jurandir Cavalcante seus maiores expoentes. Carlos Augusto Fiel, Roberto Batista e Alberto Montalvão também contribuiram.

O Departamento Esportivo.

Neste que é o "país do futebol", os programas esportivos sempre foram campeões de audiência. Toda nova rádio logo formava a sua equipe esportiva, criada em torno de um grande nome de destaque, seja em narração de futebol ou em comentários esportivos. Na Difusora, o astro era José Eugênio de Jesus, ainda vivo, muito querido e respeitado. Na Liberdade, brilhou o polêmico Silva Lima (falecido). Na Jornal, o maior astro foi, sem dúvida, Carlos Magalhães, ladeado pelo comentarista Wellington Elias. Na Cultura, o destaque foi Raimundo Luiz,  que era respeitadíssimo no papel de comentarista, ficando a narração a cargo de Paulo Gomes.
Em busca de prestígio e consequentemente de patrocinadores, Carlos Magalhães teve a ousadia de viajar para cobrir uma copa do mundo no México em 1970. A equipe da Jornal, comandada por Glau Peixoto, conseguiu proeza igual.
Em torno dos líderes de equipe havia sempre um séquito de colaboradores entusiasmados, ávidos por uma oportunidade de brilharem também aos microfones das programações esportivas. Entre esses colaboradores  figuravam Coelho Menezes, Antônio Pádua, José Carlos, Geraldo Barreto, Geraldo Oliveira,   Geraldo Chagas,  Tito Viana,  Paulo Wilson e outros, muitos outros.

O Departamento Comercial.

Sem aquela aura de encantamento, mas não menos importante, o departamento comercial das emissoras cumpria seu papel essencial de suprir os recursos necessários para a atividade dos demais departamentos. Muitas vezes os próprios locutores e apresentadores faziam as vezes de contatos publicitários, corretores de anúncios e relações públicas no trato com comerciantes e industriais locais, colocando seus programas a serviço do mercado. Um dos profissionais de destaque nessa área foi Aloisio Santos da rádio Jornal. Assinados os contratos, o empresário ou a agência publicitária fornecia o material de divulgação (textos e jingles), os textos eram postos nas pastas do estúdio, os jingles enviados para a técnica e a publicidade acontecia. Em alguns casos, gravações eram feitas na própria rádio ou em estúdios de gravação como o de "seu" Orico, delas resultando os discos de acetato tocados na programação. Dermeval Gomes foi um locutor campeão de gravações, e por muito tempo sua voz era ouvida nas vinhetas da Rádio Sociedade da Bahia.

Curiosidades:


- A Rádio Difusora era muito fraca (tinha só 1 kw de potência na antena) e, de brincadeira seus locutores diziam (fora do ar, naturalmente): "Rádio Difusora, falando para Aracaju e cochichando para o interior".

- Num programa informativo diário o locutor dava também informações típicas de almanaque, como santo do dia, etc. O Álvaro Macedo, talvez o mais gozador entre todos, uma vez abriu o programa e mandou: "Santos do dia: Santos Mendonça, Santos Santana e Santo Souza" (nomes de colegas da emissora).

- Outra feita, o Alvaro Macedo teria aberto o noticiário com as "Manchetes do Dia"  e anunciou uma serie de manchetes bombásticas, dizendo em seguida: "É Primeiro de Abril" (dia da mentira).

- As transmissões externas sempre foram um desafio nos tempos em que  não havia links VHF e outras facilidades comuns nos dias de hoje.  Os técnicos  esticavam antenas provisórias e ligavam  pequenos transmissores portáteis alimentados por bateria. Nem sempre conseguiam ser ouvidos no estúdio. Para informar que estava ouvindo a transmissão, o controlista cortava momentaneamente o som da rádio. Os ouvintes simplesmente nao sabiam de nada e pensavam ser um defeito passageiro.

- Sempre que possivel, usava-se ligações telefônicas para a transmissão de reportagens externas. Quando houve a visita do Núncio Apostólico (uma autoridade eclesiástica) a Aracaju, a Rádio Cultura montou um esquema para transmitir a passagem da comitiva por diversos pontos, desde o aeroporto até a Catedral. Repórteres foram colocados em residências de pessoas amigas que disponibilizaram seus telefones e, um a um, esses reporteres discavam para a rádio à medida que a comitiva se aproximava de cada ponto e transmitiam a informação falando diretamente ao telefone, prontamente irradiado.

- Nas transmissoes esportivas não havia rádios portáteis. Todo jogo irradiado implicava no lançamento de centenas de metros de cabos de microfone, da cabine de locução até o gramado, onde os reporteres de campo narravam e faziam suas entrevistas. Ao fim da partida, tudo aquilo tinha que ser novamente recolhido e guardado até o próximo evento.

- Alguns locutores falavam tão perto do microfone que seus lábios até o tocavam. Sodre Junior dizia:  "se puser um salzinho, ele come".

- Houve uma época em que  artistas famosos como Emilinha Borba, Orlando Silva, Nelson  Gonçalves, viajavam pelas capitais do Brasil e se apresentavam nos auditórios das rádios ou nos cinemas, às vezes trazendo seus músicos, às vezes contratando localmente músicos para lhes acompanhar. Geralmente esses artistas eram assediados pelos radialistas locais em busca de entrevistas, que enfim lhes dava certo prestígio e audiência. Silva Lima era um que não deixava passar em branco. Algum artista famoso aportava aqui e lá ia ele fazer perguntas, quase sempre previsíveis e repetitivas, tipo "o que está achando de nossa cidade?" ou "que prato você gosta de comer ?" e futilidades semelhantes. Não interessava muito o que se perguntava nem tampouco o que se respondia. O importante era marcar presença e estar a celebridade falando ao microfone da rádio.

- O Informativo Cinzano era realmente surreal: sempre que alguma criança da família do dono da rádio aniversariava, Silva Lima anunciava no meio do noticiário, entre as mais dramáticas notícias : “ … - (pausa) ... vamos interromper as noticias do Informativo Cinzano para anunciar uma notícia que nos é muito grata: está aniversariando hoje a linda garotinha…(pausa)...” e seguia o noticiário.

Epílogo.

E assim vamos encerrando esta narrativa que pretendeu dar uma visão ampla sobre a atividade radiofônica em Sergipe e seus bastidores, mormente nos tempos heróicos que precederam a televisão e a proliferação das rádios FM. É antes de tudo um tributo aos abnegados e sonhadores entusiastas que construiram esta história, com mil desculpas pelas omissões dos que não foram lembrados. Em breve tudo isto estará sepultado num passado remoto e ouso vaticinar que logo, logo a tecnologia terá substituido antenas, transmissores, cabos, válvulas e transistores por meros aplicativos em tablets e smartfones. O rádio será cem por cento digital e sua difusão será pela internet, com alcance mundial e praticamente sem custo. Hoje já temos, não um dial de ondas médias e curtas, mas um aplicativo pelo qual selecionamos e ouvimos a rádio virtual que queiramos, em qualquer país do mundo, em qualquer idioma. Não é futurologia. É fato. Mas ainda sobrará um radialista sonhador, microfone na mão, comunicando, divertindo e informando, tal e qual seus antepassados.

*Texto ainda sujeito a acréscimos e revisões.

Texto reproduzido do blog: jasprudente.blogspot.com.br

3 comentários:

  1. Esta matéria me fez reviver os anos 70 e setenta e um quando Hélio Fernandes Apresentava o programa O Show É Nosso na Rádio Cultura. Esse programa também era apresentado, com calouros de Sergipe no Bairro Siqueira Campos, no cenema Bonfim do Monsenhor João Lima. Eu fiz parte do programa cantando na dupla Os Basques.

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  2. José Raimundo, gostaria de ouvi-lo, pois estou escrevendo um livro sobre o Aribé, onde trato dos cinemas - e dos programas de auditorio que havia lá, claro! Quando eu tinha uns 10 anos, eu tbem cantei lá, mas fui vaiada!!! Meu face: cristina cerqueira.

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  3. Meu e-mail: tereza.cerqueira57@gmail.com Aguardo ansiosa sua colaboração.

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