domingo, 17 de março de 2024

Entrevista com a doutora em Sociologia Juliana Almeida

Entrevista compartilhada do site F5 NEWS, de 4 de setembro de 2022  

Saiba mais sobre os cem anos da chegada do rádio ao Brasil

Confira entrevista com a doutora em Sociologia Juliana Almeida, estudiosa do tema  

Por F5 News

O rádio é considerado o primeiro grande veículo de comunicação em massa. A sua invenção teve um impacto muito grande na história e a chegada ao Brasil, há cerca de 100 anos, ainda é bastante discutida.

F5 News conversou com a jornalista e radialista Juliana Correia Almeida, mestre e doutora em Sociologia e pós-doutora em Educação. Professora da Universidade Tiradentes, ela atuou em diversos meios de comunicação em Sergipe e atualmente é chefe de Redação da Secretaria de Estado da Saúde. Confira a entrevista.  

F5 News – Por que não há um consenso de quando o rádio chega ao Brasil, ou seja, sobre as primeiras transmissões?

Juliana Correia Almeida - Em 1919, estudantes já haviam feito alguns experimentos envolvendo radioamador. Então se discute bastante, entre os historiadores do rádio, se essas experiências seriam de radiodifusão. Oficialmente, a primeira grande transmissão radiofônica no Brasil aconteceu no dia 7 de setembro de 1922, quando a Westinghouse, uma empresa que vendia aparelhos e antenas nos Estados Unidos, trouxe para o Brasil uma estação para demonstrar ao governo brasileiro a novidade.

F5 News – Como foram as reações?

Juliana - Neste primeiro momento, não havia intenção do governo brasileiro de adquirir a novidade, as pessoas ficaram assustadas com aquilo, aquela voz humana saindo daquelas caixas de som. Na verdade, aquilo começou com muito mais incômodo do que qualquer coisa, pense no barulho, as pessoas festejando e aquele som com a qualidade ruim. O governo brasileiro não se interessou pela tecnologia, e a Westinghouse desfez essa estação provisória que tinham montado.

Mas aí o Edgard Roquette-Pinto, um antropólogo que fazia parte da Academia Brasileira de Ciências, vislumbrou que o rádio poderia ser um grande aliado na difusão da educação porque essa comunicação poderia fazer com que pessoas analfabetas tivessem acesso à informação. E até então, só quem tinha acesso à informação era quem sabia ler, através dos jornais e revistas.

F5 News - Quando surge a primeira emissora de rádio?

Juliana - Em abril do ano de 1923, é inaugurada a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro por Roquette-Pinto e Henrique Morize para ter a finalidade educativa e cultural. A rádio tocava música clássica, apresentava aulas. Mas nesse momento era elitista, porque os aparelhos de rádio eram muito caros. Mas logo o rádio se popularizou e se tornou um grande meio de comunicação em massa, porque ele vai ter um alcance que o jornal e a revista não tiveram, porque só tinha acesso a jornal e revista quem sabia ler. Então, grande parte da população ficava à margem da informação.

Quando a gente fala de jornalismo no rádio, tem um termo chamado gillette press, que as notícias eram recortadas dos jornais e lidas no rádio. Foi um impacto social absurdo, não só no Brasil, mas no mundo inteiro, porque revoluciona a comunicação humana, ao fazer com que ela possa atingir grandes distâncias.

F5 News - Qual o principal papel social do rádio?

Juliana - Em 1932, Bertolt Brecht, quando ele escreve Teorias do Rádio, seu tratado, ele já falava da importância social do rádio para além do entretenimento, tocar música, ou até da questão política ideológica, em que o rádio já era utilizado. Mas o poder social e transformador que o rádio teria justamente por seu alcance e sua penetração.

F5 News - Quais as mudanças mais significativas?

Juliana – O rádio surge AM, na frequência Amplitude Média, a partir dos anos 70 ele vai para FM, que é Frequência Modulada, onde ele vai ter uma qualidade de som melhor, estéreo. Então, isso possibilita efetivamente que mais músicas pudessem ser utilizadas e os disk jockeys, enfim. Então o rádio ele nasce como um grande meio de comunicação de massa, grandes usos no seu desenvolvimento com programas de auditório, orquestras, atores, para as radionovelas, tudo mais.

F5 News – Muito se disse que o advento da televisão acabaria com o rádio, o que não se confirmou. O que aconteceu?

Juliana - Quando a televisão chega nos anos 50 sofre um impacto imenso, porque todo mundo vai pra televisão, você tem um rádio com imagem. O rádio vai se ressignificar, ou seja, ele vai se tornar mais comunitário aqui no Brasil. Nos Estados Unidos, por exemplo, quem salva o rádio é o Rock´n Roll, no rádio do carro.

Quando o transistor é inventado, faz com que o rádio seja móvel, ele não precisa ficar ligado na tomada. No Brasil, ele vai se segmentar e vai se tornar mais comunitário, mais próximo das pessoas. Então, há uma divisão meio clássica, que não era a divisão oficial, mas que a FM tocava música e a AM, informação. Até pelo alcance das rádios AM, são as emissoras que têm um alcance muito maior do que as FM.

F5 News – Como o rádio se modernizou?

Juliana - Hoje, a gente vive na perspectiva do rádio multiplataforma, com as novas tecnologias que vêm também se reinventando. Então, hoje o rádio tem cara, hoje o rádio está na internet, hoje você assiste vídeos, não apenas trabalha com a unisensorialidade que era tão tradicional do rádio.

O rádio tem sido um dos meios de comunicação que vem mais se beneficiando com esse conteúdo multiplataforma, porque esse conteúdo beneficia aquilo que o rádio potencializa,  inclusive aquilo que o rádio já fazia desde sempre: a relação mais próxima com o seu ouvinte, com o seu consumidor da informação.

F5 News – E quanto ao rádio especificamente em Sergipe?

Juliana – Trabalhei em emissoras educativas e emissoras comerciais de rádio e tenho feito um trabalho sistemático, não só no ensino, mas também na pesquisa aqui do rádio em Sergipe, para preservar essa memória do rádio em Sergipe que carece ainda muito de atenção. Porque o rádio chega em Sergipe em 1939, 17 anos depois que ele chega no Brasil. Já chega bem tardiamente e tem uma característica bem diferente. O rádio chega no Brasil com aquela ideia do Roquette-Pinto de ser usado para educação e cultura e, em Sergipe, o rádio já nasce com uma ideia de servir à política, com a tendência ideológica bastante forte. E isso reflete até hoje.

Tenho feito esse trabalho com os alunos, de tentar fazer esse resgate histórico que carece muito de um registro mais importante por parte das autoridades porque nós somos ainda hoje um dos estados que mais ouve rádio no país. É uma pena que a gente tenha uma memória tão combalida, grandes radialistas estão morrendo e levando suas histórias com eles e a gente não tem de fato um centro de documentação. A gente não tem de fato sequer um livro importante que conte a história do rádio em Sergipe e isso é uma pena.

O portal F5 News é um dos agentes do projeto Vozes Nossas de Todo Dia, de recuperação da memória do rádio sergipano, transmitido pela Fundação de Cultura e Arte Aperipê e realizado em parceria do Sindicato dos Radialistas de Sergipe.

Texto e imagem reproduzidos do site: www f5news com br

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