Incrível era do rádio.
Escrito por João Rocha
O rádio criou mitos, imortalizou profissionais e cativou
ouvintes nos mais remotos cantos. Integrou a nação. Mesmo depois da televisão,
assegura seu espaço: contra 38 milhões de televisores, temos hoje mais de 70
milhões de rádios. Sua história inclui conquistas e lutas travadas com paixão,
presença de espírito e criatividade.
7 de setembro de 1922. O País comemora o centenário da
Independência. Na capital da República, o povo aguarda a inauguração da
Exposição Internacional do Rio de Janeiro. Corre boca a boca que uma revolução
está por vir: uma tal de transmissão radiofônica. O presidente Epitácio Pessoa
dá início às festas. E fala através de 80 alto-falantes espalhados pela área da
exposição. Lança o País nas ondas do rádio.
No meio da multidão, um antropólogo atônito. Ninguém por ali
sabia ao certo como a novidade seria usada. Roquette-Pinto vislumbrava: enfim,
os milhões de analfabetos do País teriam oportunidade de receber informações
que não conseguiam extrair de livros e publicações periódicas.
Em abril de 1923, Roquette inaugura a primeira emissora do
País, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro. Divulga ópera, música clássica,
palestras. Surgem similares. Nenhuma desperta interesse.
O cenário muda na década de 1930. Com o barateamento dos
aparelhos e uma legislação favorável à publicidade, o rádio conquista o Brasil.
É o primeiro passo rumo à disseminação do rádio; o início da indústria cultural
brasileira.
Brasileiro inventa rádio e italiano leva a fama
O gaúcho Roberto Landell de Moura ordenou-se padre em 1886,
aos 27 anos. Mas não foi o sacerdócio que lhe reservou lugar na História.
Interessado em ciências, este jesuíta iniciou, em 1892, experiências com a
transmissão de voz sem uso de cabos.
Em 1893, um ano antes do italiano Guglielmo Marconi, tido
como criador do rádio, Landell realizou demonstração do invento em São Paulo.
Transmitiu sua própria fala da Avenida Paulista para o Alto de Santana, a 8 km.
E, segundo relatos, com melhor qualidade que o aparelho de Marconi.
A imprensa fez alarde, mas o padre foi execrado. Chamaram-no
de louco, impostor, bruxo. Não teve apoio oficial algum. Desiludido, abandonou
os experimentos. Deixou para trás as patentes do transmissor de sons (ondas
hertzianas), do telefone e do telégrafo sem fio. Dedicou-se ao sacerdócio até
morrer, aos 67 anos, em 1928, na mesma Porto Alegre onde nasceu.
Programa é batizado em pleno ar
Domingo, 14 de fevereiro de 1932. O locutor aciona o
microfone e anuncia, com voz impostada:
A Rádio Philips do Brasil, PRA-X, vai começar a irradiar o
Programa...
Silêncio no estúdio. Ninguém tinha pensado num nome para a
atração comandada pelo pernambucano Ademar Casé.
...Casé. Programa Casé. – arremata o speaker, para alívio
geral.
O improviso não atrapalhou a trajetória de um dos mais
famosos programas de todos os tempos. O rádio dava os primeiros passos, quase
amador. Mas Casé já sabia que a melhor aposta estava numa programação popular.
Mandava ao ar humorísticos, teatro, paródias, histórias reais dramatizadas.
Nada de música erudita. O negócio era samba. Acabou
revelando Carmen Miranda, Sílvio Caldas, Francisco Alves, Donga, Elizeth
Cardoso, Noel Rosa.
Era a época dos programistas, primeiros profissionais do
rádio. Eles adquiriam tempo nas estações, criavam programas e vendiam espaços
para os anunciantes. Redigiam, produziam, apresentavam. Faziam de tudo.
Com tino comercial aguçado, Casé criou, ao lado do
caricaturista e compositor Nássara, o primeiro jingle brasileiro.
Era um fado, composto especialmente para o dono da Padaria
Bragança:
Oh! Padeiro desta rua / Tenha sempre na lembrança / Não me
traga outro pão / Que não seja o pão Bragança.
Alô, Brasil! no ar, uma das cinco grandes do mundo
1936. O grupo do jornal A Noite entra para o ramo da
radiodifusão. Às 21 horas de 12 de setembro, um gongo soa três vezes. Celso
Guimarães anuncia:
Alô, alô, Brasil! Está no ar a Rádio Nacional do Rio de
Janeiro.
Ao fundo, ouve-se Luar do Sertão, de João Pernambuco e
Catulo da Paixão Cearense. Estreia a primeira grande emissora do País, a
Estação das Multidões.
A estrutura era inédita. Programação diversificada,
transmissores potentes, estúdios bem equipados, elenco de estrelas. Logo se
destacou.
Em 1940, Vargas percebe que a emissora poderia ser eficiente
instrumento para a afirmação do Estado Novo. Decreta sua encampação. A rádio
não deixa de brilhar.
Grande parte dos ídolos da época pertenciam a seu elenco
fixo: Sílvio Caldas, Carlos Galhardo, Vicente Celestino.
A Nacional manteve-se no topo até 1964. Com o golpe militar,
começava o declínio da emissora que chegou a ser uma das cinco maiores do
mundo.
Em julho de 2004 ela foi reinaugurada. Reforma, compra de
equipamentos modernos, novos estúdios. E não podiam faltar as grandes estrelas.
Depois de décadas, Cauby Peixoto, Marlene, Jamelão e Emilinha Borba estavam de
volta ao antigo auditório da Praça Mauá.
Povo descobre a língua nacional.
Auge da Rádio Nacional. Em viagem pelo País, dirigente da
estação encontra moça com sotaque carioca numa fazenda de cacau da Bahia.
"Há quanto tempo a senhorita não vai ao Rio?" E ela: "Nunca fui
lá." "Não é possível, a senhorita fala como uma carioca!"
"Claro, a Rádio Nacional nos ensina a falar direitinho."
Repórter tão pontual que servia para acertar relógio
Som de fanfarra e clarim na Rádio Nacional. Às 12h55 de 28
de agosto de 1941, uma frase ecoa pelo Brasil:
Aqui fala seu Repórter Esso, testemunha ocular da História.
Estreava o radiojornalismo brasileiro. Exatidão,
pontualidade. Quem ouvia o prefi xo fora de hora, já sabia: algo muito
importante tinha acontecido.
Em 1952, o programa foi para a TV Tupi. Brilhou por mais 19
anos, até que no dia de 31 de dezembro de 1971 "o primeiro a dar as
últimas" apresentou sua edição derradeira. Os brasileiros, habituados a
acertar o relógio pela precisão do noticiário, tiveram que procurar outro
programa.
Precisa-se de cantor
Meados da década de 1930. Rádios pipocam e se
profissionalizam. Oferecem contratos de exclusividade e salários tentadores. Um
efeito colateral não estava previsto: a falta de artistas. Ary Barroso chega a
pôr anúncio em jornal:
"Precisa-se de um cantor."
De recorte na mão, aparece um sujeito. Seu nome? Orlando
Silva.
Para revelar novas estrelas, surgem os arrasadores programas
de calouros. Entre os pioneiros, Celso Guimarães (Cruzeiro do Sul, de São
Paulo) e Edmundo Maria (Cruzeiro do Sul, do Rio). Sucesso imediato. Depois vêm
Ary Barroso, com Calouros em Desfile, na Tupi carioca; A Hora do Pato, de Heber
Bôscoli, na Nacional; Papel Carbono, de Renato Murce, na Rádio Club do
Rio.
Deuses do Olimpo sonoro.
Porte elegante, cabelos empastados com brilhantina, terno escuro à Gardel. Era o Rei da Voz. Durante quase 30 anos, Francisco Alves dominou o dial das estações. Cantor de versões norte-americanas, tangos, boleros e sambas, lançou o samba-exaltação ao gravar, em 1939, Aquarela do Brasil, de Ary Barroso. Foi o cantor que mais gravou em 78 rotações: quase 500 discos. Sua morte, em acidente na Via Dutra, em 29 de setembro de 1952, abriu espaço para outro astro: Orlando Silva, o Cantor das Multidões.
Porte elegante, cabelos empastados com brilhantina, terno escuro à Gardel. Era o Rei da Voz. Durante quase 30 anos, Francisco Alves dominou o dial das estações. Cantor de versões norte-americanas, tangos, boleros e sambas, lançou o samba-exaltação ao gravar, em 1939, Aquarela do Brasil, de Ary Barroso. Foi o cantor que mais gravou em 78 rotações: quase 500 discos. Sua morte, em acidente na Via Dutra, em 29 de setembro de 1952, abriu espaço para outro astro: Orlando Silva, o Cantor das Multidões.
Mas, como o Olimpo da mitologia, o rádio dos anos 1950 não
possuía apenas um deus. Tinha também Nelson Gonçalves, ex-boxeador criado no italiano
bairro do Brás, em São Paulo; Ivon Cury, que ascende com sucessos como Xote das
Meninas e Amendoim Torrado; Francisco Carlos, o Cantor Namorado do Brasil.
E, para arrebatar os corações das moças casadoiras, Cauby
Peixoto. Ele começou a cantar num programa de calouros da Tupi, em 1951. Três
anos depois, já era celebridade. Um sucesso atrás do outro. Blue Gardenia
(1954), Conceição (1956), Nono Mandamento (1957), Prece de Amor (1958). E
muitos outros.
Há quem diga que o rápido êxito se devia não apenas às
qualidades de cantor. Seu empresário contratava mocinhas para
"desmaiar" de emoção com o simples aparecimento do astro; encomendava
ternos apenas alinhavados para que as fãs os rasgassem ao tocar o galã.
Compra de voto abala a corte.
Em 1937, a cantora Linda Batista torna-se a primeira Rainha do Rádio, em concurso promovido no Iate dos Laranjas, barco carnavalesco atracado no Rio. Durante 11 anos reina soberana. Só perde a coroa quando a Associação Brasileira de Rádio reorganiza o concurso e elege sua irmã, Dircinha Batista.
Em 1937, a cantora Linda Batista torna-se a primeira Rainha do Rádio, em concurso promovido no Iate dos Laranjas, barco carnavalesco atracado no Rio. Durante 11 anos reina soberana. Só perde a coroa quando a Associação Brasileira de Rádio reorganiza o concurso e elege sua irmã, Dircinha Batista.
A eleição mais disputada aconteceu em 1949. Dividiu o Rio de
Janeiro em territórios rivais, dominados por exércitos de fãs. Emilinha Borba
dava como certa a vitória. Mas Marlene conseguiu o apoio da poderosa Companhia
Antarctica. E com a compra de mais de 200 mil votos assegurou a virada no
placar. O troco viria em 1953, quando Emilinha arrebatou a coroa com mais de 1
milhão de votos. No ano seguinte seria a vez da ex-operária tecelã Ângela
Maria, sucedida por Vera Lúcia e Dóris Monteiro.
O concurso era promovido pela Revista do Rádio, uma das mais
lidas por todo o País. O compositor Miguel Gustavo, autor de Pra Frente, Brasil
(1970), fez o primeiro sucesso em 1958 com a marcha de carnaval Fanzoca de
Rádio, inspirado na revista:
"Ela é fã da Emilinha Não sai do César de Alencar Grita
o nome do Cauby E depois de desmaiar Pega a Revista do Rádio E começa a se
abanar."
Ilustração e texto reproduzidos do site: almanaquebrasil.com.br
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