domingo, 29 de abril de 2012

Entrevista: José Eugênio de Jesus

Entrevista: José Eugênio de Jesus - Memória do rádio

"Alguns personagens têm a fortuna de atravessar um século e a sua história. Têm, por isso, a autoridade de falar com conhecimento de causa sobre os acontecimentos não só vividos individualmente, mas a ventura de terem sido testemunhas vivas do surgimento dos fenômenos coletivos que marcaram esse mesmo século. Este é o caso de José Eugênio de Jesus, uma memória viva da história do rádio em Sergipe.
Octogenário, de fala pausada, José Eugênio começou, na verdade, na imprensa escrita nos bons e difíceis tempos dos jornais do primeiro quartel do século 20, sempre sujeitos a empastelamentos e censura rigorosa. Foi de fato o que ocorreu com o Sergipe Jornal, veículo em que José Eugênio iniciou sua carreira. O jornal acabou sendo fechado pela mão de chumbo da Revolução de 1930.
Esta foi a oportunidade para que José Eugênio ingressasse no incipiente rádio à época, tão incipiente que, por dificuldades técnicas de funcionamento, muitas vezes fez da área onde funcionavam os transmissores o seu palco de atuação. Tão incipiente que não passava de uma mera extensão do poder estabelecido, funcionando como uma espécie de "Diário Oficial radiofônico" do governo do estado, conforme relata o próprio José Eugênio nesta entrevista.
Na Rádio Aperipê, a incipiente emissora, José Eugênio fez de tudo: de redator a chefe de redação, passando pela experiência de "corretor" dos anúncios publicitários da rádio, tarefa que ele exerceu com orgulho e prazer. Foi nesse jornalismo, que se aprendia no batente diário da experiência, que José Eugênio construiu uma carreira. Nesta entrevista, ele conta parte dessa trajetória". (Paulo Sousa).*


 BN – O  senhor,  que vivenciou a época áurea do rádio sergipano, poderia contar como se deu o início do rádio em Sergipe?
José Eugênio de Jesus -   Comecei a conhecer a história do rádio da seguinte forma: eu trabalhava no Sergipe Jornal, onde comecei minha vida na imprensa como gráfico. Foi um jornal que fechou em face da Revolução de 1930. Trabalhei uma temporada nesse jornal, até que o empastelaram. A propósito dessa minisérie da noite [da TV Globo] "Um só coração", me lembrei muito daquele movimento. Eu era garoto. Então surgiu a Rádio Aperipê, uma rádio do Palácio do Governo e que foi fundada nos fundos desse Palácio para divulgação das contas oficiais do governo do estado. Em geral como sendo um Diário Oficial, que já existia. Então passou-se a divulgar  radiofonicamente. Daí foi progredindo o rádio. Entrou o locutor João Marques Guimarães, que foi por muito tempo secretário de governo. E o rádio foi crescendo. Com a passagem dos anos, tomou um caráter diferente. Passou a ser então uma emissora propriamente dita, mas sempre muito ligada ao governo, como ainda hoje é. Depois que o povo foi tomando interesse pela radiofonia sergipana, que se restringia a esse trabalho, começou a se fazer rádio mesmo, em caráter de emissora já divulgando alguns programas interessantes. Foi quando ela passou a se instalar no Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe. Ali assistimos a bons programas, programas de calouros e um rádio propriamente dito, com conjuntos, com cantores. Muita gente boa apareceu na época. Experimentou-se muitas dificuldades, porque em face de não ter um estúdio certo, andou-se  até transmitindo do próprio transmissor, que era no bairro Siqueira Campos. E passou a se transmitir alguns programas de lá, do transmissor, precariamente. O som era terrível, estridente. Depois foi-se aperfeiçoando, até assumir mesmo a característica de rádio real. No Instituto Histórico assistimos a bons programas. Alfredo Gomes era um dos responsáveis pela programação da rádio. Nessa época, já se podia contar com alguns valores, como João Melo, João Gomes, Dalva Cavalcanti, Guaracy Leite França. O corpo de locutores era pequeno, porque não tinha-se gente apta no assunto. Mas tinha João Ribeiro, que era um grande valor do rádio sergipano. E aí foi-se formando. Tivemos também uma época de alto-falante muito bom, que era a preço fixo. Era uma casa comercial, que era instalada na esquina da travessa José de Faro com o Parque [região central de Aracaju], onde hoje temos um conjunto de lojinhas. A um preço fixo era instalada ali. E ele tinha uma discoteca muito boa que fazia o papel de uma rádio, com alto-falantes instalados na primeira praça. Tinha em alguns pontos da cidade, e tinha-se a impressão de que realmente foi quando nasceu a idéia de uma fundação de uma emissora de rádio aqui em Aracaju. Então o início do rádio aqui foi esse.
 
BN – E depois do rádio já instalado e implantado em Sergipe, como conseguia sobreviver naquela época? Sabemos que hoje, para sobreviver, há muitas dificuldades. Naquela época havia tanta dificuldade como há hoje?
José Eugênio de Jesus - Havia, sim. Naturalmente que havia. Fazíamos um rádio de acordo com as nossas possibilidades. Não tínhamos valores remunerados, trabalhávamos mais à base do amadorismo, não tínhamos remuneração. Por exemplo, Alfredo Gomes:  era funcionário da Receita Federal. Era um rapaz muito bem preparado e além de funcionário da Receita Federal ele escrevia, era jornalista. E dentro desse critério, o rádio foi progredindo. Mas havia muita dificuldade, o nosso comércio sempre foi deficiente, sempre foi desinteressado na questão do desenvolvimento do rádio. Hoje, não. Hoje é claro que tem que  guardar as devidas possibilidades e a carência da época. O anunciante para fazer uma publicidade no rádio era um sacrifício danado. Ainda não havia uma compreensão de que estava comprando e vendendo. Então, alguns deles faziam mais a publicidade em consideração a quem os procurava. Eles achavam... não sei qual era finalmente a mentalidade deles. Eles achavam que viviam perfeitamente bem sem fazer a publicidade, sem divulgar o produto, para que aquele produto fosse mais procurado nas lojas comerciais. A verdade era que não havia interesse deles. Até que se formou uma mentalidade, uma filosofia de vida diferente, e cada um então foi conhecendo as carências, que era preciso divulgar, vender seu produto e tudo o mais. Mas demorou muito. 
 
BN  –  Politicamente falando, como se comportava o rádio sergipano naquela época?
José Eugênio de Jesus - Naquela época, em face de termos a emissora mais antiga - e por muito tempo ela conservou esse pioneirismo de viver só -,  a política naquela época não teve tanta evidência, a não ser depois da rivalidade nascida, com a criação de outras emissoras. O governo, por exemplo, tinha o privilégio de ter uma emissora de rádio e que os outros partidos não tinham e ficavam no prejuízo,  até que surgiu a idéia de ser fundada e criada uma nova emissora e foi surgindo a Rádio Jornal, depois a Liberdade, a Cultura e aí então a coisa foi agitando. Nós vivemos uma época aqui muito difícil em que havia censura. Na época da ditadura, a censura era muito pesada. Os jornais eram duramente vigiados, duramente censurados, as matérias às vezes eram alteradas porque não eram permitidos uns certos ataques políticos. De modo que foi uma época muito difícil essa da ditadura. E nós tínhamos como censor o Dr. João Marques Guimarães. Tínhamos o DEIC (Departamento Estadual de Propaganda) que fazia todo esse trabalho de censura. Vivíamos uma época agitada na política, que cresceu ainda mais com o aparecimento de outras emissoras de rádio, principalmente depois do surgimento das rádios Jornal e Liberdade. Aí a política esquentou. Houve época em que as emissoras de rádio não podiam fazer determinadas... nos comícios, por exemplo. Por que? Na época, quando a coisa estava no melhor, quando estava aquecendo o comício, era desligado a energia naquela parte. Uma determinada parte da cidade ficava com e outra sem energia, o que já era fruto da agitação da política. Foi uma época dura, difícil.

*Radialista, estudante de jornalismo da Universidade Tiradentes (SE) e editor do site Cidade Agora

Entrevista publicada originalmente no site: http://www.sergipe.com.br/balaiodenoticias/entrevistaj50.htm

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