Legenda da foto: Rádio não é só uma mídia, é o jeito de comunicar (Crédito foto: Pixabay)
Artigo compartilhado do blog MILTON JUNG, de 27 de maio de
2021
“Não há espaço melhor
para a construção de relacionamento de um com os outros do que no território da
voz”
Transparência é fundamental nessa nossa conversa, caro e
cada vez mais raro leitor deste blog. Por isso, saiba que vou falar do que
assisti há uma semana no canal Dez Por Cento Mais, no Youtube, que é produzido
e apresentado pela minha mulher, Abigail Costa, e pela minha colaboradora de blog,
doutora Simone Domingues. Na busca de explicações sobre o comportamento do
cidadão diante da pandemia, elas convidaram o antropólogo Michel Alcoforado, de
quem sou admirador. Ou seja, minha fala aqui deve ser considerada totalmente
parcial nos elogios e afagos.
Pouco me importa, também. Até porque tenho convicção de que
se você tirar uma hora da sua semana para assistir ao que as duas levam ao ar,
ao vivo, toda quarta-feira, às oito da noite, vai ficar admirado e muito bem
informado. O canal é dedicado ao comportamento humano e à saúde mental.
Na discussão sobre como estamos agindo na pandemia e como
agiremos depois dela, provoquei Michel Alcoforado a falar sobre o consumo de
informação no rádio. Ouvi muito mais do que poderia desejar.
“A medida que estamos mais dentro de casa, a voz que acompanha a gente, a voz do rádio, ajuda a gente a construir contexto. O que é muito importante para esse mundo descontextualizado.”
Michel trouxe a própria experiência com o rádio, com o qual
acorda todas as manhãs e o acessa através da assistente de voz, que o acompanha
pelos cantos da casa. Como boa parte de nós, mais dentro de casa do que fora,
por força da pandemia, os dias tendem a ser todos iguais. Mas nosso antropólogo
lembra que ao ouvir o Sérgio Abranches, às oito da manhã, sabe que é terça; o
Cortella, às sete, é quarta; e o Hora de Expediente, o faz perceber que já são
nove da manhã.
É um hábito que começou no século passado, lembra Michel. O
rádio marcava a passagem do tempo da avó dele —- das nossas avós e de nossos
pais, também. Ela sabia que quando um programa terminava, estava na hora de
servir o almoço; quando se iniciava
outro, era a vez do jantar; e havia um que ela não gostava muito, que alertava
para o fato de que era tempo de ir para cama.
“A gente tem o rádio de novo marcando essa posição. O rádio
sobretudo ganha uma dimensão muito importante, porque a gente já vinha falando
tempos atrás sobre a dimensão que a voz tem. E cada vez mais os aplicativos e
gadgets das nossas casas vão ser orientados pela onipresença da voz”
Das coisas boas que ouvi Michel Alcoforado dizer foi que o
rádio não é só uma mídia, é o jeito de comunicar. Mesmo que esteja sendo
reproduzido também no Youtube ou no Globoplay —- como é o caso do Jornal da CBN
—-, por mais que seja imagem, não é um programa de TV. É o rádio com sua lógica
de construção de comunicação em um outro formato de mídia.
“O áudio como aconchego tem crescido pra caramba. O que acontece é que a tela só lida com um sentido nosso, com a visão, não nos dá um despertar de sentidos. Não consegue. Não é a toa que o filme precisa de um sonoplasta. O audio trabalha com pedaços do nosso campo cognitivo que a tela não é capaz de alcançar”.
Por vantagens que tenha, o rádio também encara os desafios
das demais mídias que é o da pulverização de meios e mensagens —- já conversei
várias vezes com você neste blog sobre o volume de informações que somos
submetidos todos os dias e o quanto isso reduz nossa capacidade de assimilar o
conteúdo, e de apurar nossa sensibilidade para as fontes mais confiáveis.
Michel Alcoforado trata do tema a partir da definição de um antropólogo
americano Gregory Bateson que diz que informação é todo o dado que gera
diferença. Isso significa que talvez estejamos produzido muito dado e pouca informação.
Ou notícia.
“Se você não está gerando diferença, você não está
informando”.
Como ser diferente no radiojornalismo se toda notícia parece
igual? Você entra no portal G1, depois pula para o UOL e navega em qualquer
outro site de notícia disponível na sua tela deparando-se com conteúdo muito
semelhante. Michel Alcoforado dá a dica —- que você pode ouvir na íntegra e com
as devidas referências que a modéstia me impede de reproduzir, no vídeo
publicado neste post. Ele fala algo que me move há muitos anos no rádio e que
se perdeu no tempo pela forma padronizada como se relata os fatos ocorridos. Ao
contrário da matemática, na subjetividade das emoções um mais um não é dois.
Portanto, não basta seguir a fórmula correta, aprendida no livro da faculdade,
de preencher as lacunas para atender a técnica do lead ou da hierarquia dos
dados. Nem o português mais castiço salva essa equação – ao contrário, tende a
causar estranheza.
Michel lembra, por exemplo, a importância que a informação
de trânsito tem na programação de rádio, a ponto de as emissoras —- cada vez em
menor número —- investirem na cobertura a partir do helicóptero. A observação
do tráfego em uma avenida pelo repórter aéreo por si só pode não fazer
diferença; mesmo porque o ouvinte que está na região talvez até já saiba mais
através do mapa digital que o guia no painel do carro. Por outro lado, conforme a leitura que o
repórter faz, provoca-se empatia, o ouvinte se identifica com a história,
enxerga-se como personagem. E protagonista que se vê, experimenta aquele
momento conduzido pela voz do jornalista.
Entretenimento é a palavra que Michel Alcoforado usa para
definir a forma como devemos conversar com o ouvinte. É preciso saber entreter
sua audiência:
“É muito mais do que saber que a Marginal está parada. Eu já
sei que Marginal está parada. O que me interessa é como você me conta que a
Marginal está parada. É isso que gera diferença”.
Como fazer diferente o mesmo todos os dias é outro dos
desafios que precisamos encarar no comando de um programa ou no relato das
notícias no rádio. Explorando a imaginação do ouvinte, diz Michel:
“A gente enquanto humano precisa explorar cada vez mais os
nossos sentidos … O áudio permite que a gente exercite um ponto fundamental da
nossa existência que é a imaginação. E aí você pode usar todos os sinônimos
desse negócio que chamo de imaginação: fantasia; o desejo pode ser também uma
forma desse lado da imaginação. Mas não há como a gente ser humano sem a
capacidade de imaginar. E só nós humanos temos capacidade de imaginar. O áudio
abre essa chance para a gente imaginar”.
Texto e imagem reproduzidos do blog miltonjung.com.br e site youtube.com
Nenhum comentário:
Postar um comentário